2009 foi um ano especial para a NBA. No draft, entraram na liga jogadores como Steph Curry, James Harden, Blake Griffin, DeMar DeRozan, Jrue Holiday e Ricky Rubio, entre outros. Enquanto muitos miúdos olhavam para estes atletas com admiração, um rapaz camaronês de 15 anos chamado Pascal Siakam ainda não sabia o que era uma bola de basquetebol. Ou melhor, na verdade até sabia. O pai Tchamo adorava o jogo e tinha um sonho: ver um dos quatro filhos rapazes jogar na liga norte-americana. Mas o pequeno Pascal só queria imitar o ídolo Samuel Eto'o, futebolista do Barcelona, e foi também pelo facto de o pai não lhe reconhecer as mesmas capacidades dos irmãos que, quatro anos antes, foi obrigado a entrar pelas portas do St. Andrew's Seminary School, em Bafia.
Pascal não queria estudar para ser padre. Chorou muito quando o pai lhe deu a notícia de que ia para o seminário, implorou à mãe para convencer o pai a mudar de ideias, mas nunca o confrontou. Se havia uma coisa que tinha aprendido com os três irmãos e as duas irmãs era a nunca desrespeitar os pais. À boleia dos amigos com que jogava futebol no recreio do seminário, teve o primeiro contacto com a NBA num campo de férias organizado por Luc Mbah a Moute e dois anos depois foi convidado para o programa Basketball Without Borders, na África do Sul.
Foi um dos últimos nomes a receber um convite e só decidiu ir porque poderia visitar uma das irmãs, que morava perto. Impressionou olheiros e dirigentes da NBA, muito graças ao seu atleticismo, competitividade e potencial. Nesse campo estavam, por exemplo, Luol Deng e Serge Ibaka, referências do basquetebol africano... que Pascal não conhecia. Decididamente, o basquetebol não era uma das suas prioridades, mesmo vendo que os três irmãos mais velhos apostavam em fazer carreira na modalidade e chegavam, a conta-gotas, à NCAA.
Quando ganhou uma bolsa de estudo da Universidade de New Mexico State, Pascal sentiu que estava no caminho certo. No entanto, o pai nunca o viu a estrear-se pela equipa da faculdade, pois faleceu num acidente de viação. Foram tempos difíceis para Siakam, que nem sequer conseguiu viajar para junto da família, nos Camarões, com medo de perder o estatuto de imigrante nos EUA.
Esse momento definiu a sua carreira.
Meteu na cabeça que ia chegar à NBA e concretizar o sonho do pai. E, apesar de nunca ter gostado da estadia no seminário, admite que foi a melhor coisa que lhe aconteceu porque aprendeu a ser metódico e disciplinado. "O meu pai obrigou-me a ir porque queria dar-me ferramentas para ter sucesso", escreveu Pascal num artigo publicado no Players' Tribune. O sonho do pai motiva-o. Tal como o motiva a lembrança das inúmeras vezes que os colegas da universidade gozavam com a sua técnica limitada. "Chamavam-me «Mãos de pedra»", confessou.
Duas épocas na NCAA e a escolha unânime como Western Athletic Conference Player of the Year em 2015/16 fizeram abrir os olhos de muita gente e, em particular, de Masai Ujiri, presidente das Operações dos Toronto Raptors. O dirigente, com raízes na Nigéria, estava no tal evento do Basketball Without Borders, uns anos antes, e nem sequer achou que estava perante um talento digno de NBA. "Quando o vi em 2012, tive sérias dúvidas se teria potencial para chegar à NBA", confidenciou à jornalista Jackie MacMullan, num artigo sobre a vida de Siakam que a jornalista escreveu para a ESPN.
Em 2016, Masai Ujiri escolheu Siakam com a 27.ª escolha do draft — o que surpreendeu a generalidade dos analistas — e, desde então, o crescimento tem sido meteórico. Na época de «rookie» teve pouco protagonismo e foi "despromovido" à equipa da liga de desenvolvimento dos canadianos, mas não se conformou e liderou os Raptors 905 ao título da G-League, sagrando-se MVP das Finais. Daí em diante, os números não deixam dúvidas. Em três anos, passou de médias de 4.2 pontos, 3.4 ressaltos e 0.3 assistências para 16.9 pontos, 6.9 ressaltos e 3.1 assistências, melhorando também a eficácia dos seus lançamentos: de 50.2% nos lançamentos de campo, 14.3% nos triplos e 68.8% nos lances livres para 54.9%, 36.9% e 78.5% respectivamente.
E, se os Toronto Raptors chocaram o mundo com a conquista do título na época passada, frente aos favoritos Golden State Warriors, pode dizer-se que Siakam teve um papel essencial. À entrada para as Finais, o treinador Nick Nurse tinha dúvidas sobre como os seus jovens jogadores iriam reagir à presença no maior palco. No jogo inaugural, a defesa dos Warriors limitou a superestrela dos Raptors, Kawhi Leonard, a apenas 23 pontos e Siakam respondeu com uma das exibições mais memoráveis de sempre por um estreante em Finais: 32 pontos, 8 ressaltos, 5 assistências, 1 roubo de bola e 2 desarmes de lançamento, com 14 lançamentos convertidos em 17 tentados.
Após a conquista do título, aproveitou o verão para trabalhar o lançamento de meia distância e a técnica individual, para além de ter passado horas a ver vídeos de jogos seus para perceber quando deve abrandar e evitar perdas de bola. "Penso sempre que estou atrasado. Cheguei tarde. Tenho muito que melhorar e aprender. Não sou o Fred Van Vleet ou o C.J. Miles. Talvez nunca venha a ser. Mas tenho que tentar apanhá-los", confessa.
O jogo «all-around», a energia inesgotável, a defesa individual acima da média, a possibilidade de defender múltiplas posições, o cada vez mais vasto repertório ofensivo, a velocidade nas transições, o bom trabalho de pés, o primeiro drible explosivo que desequilibra no 1x1, a elasticidade e o deslocamento lateral que só se costuma ver em atletas mais pequenos, a capacidade de impulsão invulgar, a maior consistência no lançamento de três pontos terão sido a razão para ter recebido a extensão de contrato mais inesperada do defeso. Centro e trinta milhões de euros por quatro temporadas, depois de um contrato de «rookie» em que, no ano mais bem pago, recebeu pouco mais de dois milhões.
Agora, naquele seu sorriso característico e que tem sempre dentro das quatro linhas, diz que quer voltar aos Camarões, com a família, para visitar a campa do pai e o antigo seminário. Quer perceber de que forma pode dar à comunidade que o viu nascer algo para retribuir tudo o que recebeu enquanto cresceu.
"Espero que o meu pai esteja orgulhoso. Espero que esteja a ver que o seu sonho se tornou realidade", disse recentemente ao Bleacher Report. Sempre que entra em campo olha para o número 43 no equipamento. Toca no número 4 (representa o pai e os irmãos), depois toca no número 3 (representa a mãe e as irmãs), benze-se e aponta para o céu, onde acredita que o pai está, a assistir à sua história de sucesso. "Provavelmente, vou ter a bola nas mãos mais vezes. Estou entusiasmado com as oportunidades que estão à minha frente. Mais minutos, mais liderança", afirmou no início desta temporada.
A extensão de contrato que recebeu prova que a equipa quer apostar nele como «franchise player». A nova cara dos Raptors. E, se os analistas esperavam uma época negativa do conjunto de Toronto, o arranque está a contrariá-los. Quatro vitórias em cinco jogos, segundo lugar no Este e médias impressionantes de 28.0 pontos, 9.2 ressaltos e 3.8 assistências, com eficácias de 44.4% nos lançamentos de três pontos e 96.3% nos lances livres para Siakam.
Depois da época em que se fixou, em definitivo, na liga norte-americana, e que lhe valeu o prémio de Most Improved Player, o extremo/poste de 2,06 metros e 104kg é agora apontado como estando na corrida pelo prémio de MVP. Exagerado, talvez, mas não é de descartar uma presença no All-Star Game e — quem sabe? — numa das All-NBA Teams da temporada. "Vai ser a nossa primeira opção no ataque. A sua capacidade de lançamento está a desenvolver-se e é uma área do jogo que quase não tinha há dois anos. É muito versátil, vai ter que assumir mais e vamos dar-lhe liberdade para expandir o seu jogo", garantiu Nick Nurse no lançamento desta época.
Toronto chorou o adeus de DeMar DeRozan, figura marcante do passado recente dos Raptors, mas tudo ficou esquecido com a conquista do primeiro título da história da organização. Kawhi Leonard saiu rumo aos Los Angeles Clippers. Uma equipa que parecia sem futuro e a entrar em modo de reconstrução encontrou uma luz no fundo do túnel. Em Pascal Siakam. E essa luz tem o brilho de um diamante ainda em bruto, mas que está a ser polido. Com mãos de pedra.
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