São muitos os bons exemplos que vêm da terra de Sua Majestade, principalmente no desporto-rei, e daí gostarmos tanto da Premier League. Ainda assim, há muito a melhorar e hoje a nossa atenção vai para os mais novos.
Sem querer parecer saudosista, ainda sou do tempo em que os clubes grandes ofereciam dois sacos de bolas ao clube do jogador em questão, e sem mais demoras o acordo ficava selado. Não sabendo em que pé e em que modos estão as contratações de jovens atletas em Portugal posso, ainda assim, falar um pouco da experiência vivida em Inglaterra.
Tendo tido a sorte de trabalhar com clubes extremamente profissionais e que colocam, sempre e em qualquer circunstância, a criança antes do atleta, nunca vi nenhum jogador sair do clube em litígio com as pessoas ou a instituição. Uns mais contentes que outros, como seria de esperar, mas sem nunca se colocar em causa o bem-estar da criança.
Pude, num dos clubes por onde passei, testemunhar inclusive a transferência de um jogador para um grande clube inglês, e não posso dizer que tenha ficado com inveja da situação em que a criança e os pais são colocados. Sem uma estrutura familiar forte e que preze, acima de tudo, o bem estar da criança e a qualidade do seu futuro, poderá ser muito complicado tomar uma decisão sensata. Com o interesse de um grande, vem o de outro, e sem nos apercebermos, todos os clubes grandes do país querem ter a oportunidade de ter o jovem atleta na sua academia.
Depois de uma proposta vem outra, depois outra e outra, e os número começam a crescer. As promessas a ganhar forma e a ilusão a tomar conta da tomada de decisão. No caso em particular a que pude assistir, apesar da pressão (e das promessas) exercida por alguns dos mais poderosos clubes ingleses, os pais e a criança optaram por ter em conta a escola a frequentar e a educação dentro do clube antes de quaisquer outros fatores futebolísticos. Este é uma caso de sucesso, até porque o atleta era desejado e, fosse ele para onde fosse, teria sempre oportunidades de sobra para poder assegurar uma boa educação e uma boa estrutura futebolística que lhe permitisse seguir o seu sonho de jogar futebol.
Infelizmente nem sempre o final é feliz e casos há, em que as crianças se vêm no meio de um negócio que, até certa idade, não lhes deveria dizer respeito.
Neste momento, existem casos no futebol inglês em que crianças, dos 9 aos 16 anos, não podem exercer o seu desporto favorito ao mais alto nível — como por exemplo em academias de clubes da Premier League — e por certo que a culpa não pode recair sobre os ombros dos mais pequenos.
Stoke vs. Liverpool
Há cerca de um ano, os pais de uma criança trouxeram a lume uma disputa que os tinha deixado com milhares de libras de dívida e tudo porque lhes terão sido feitas promessas que acabariam por não se concretizar. Um jovem jogador da academia do Stoke City teria sido observado por olheiros do Liverpool e estes, como qualquer clube inglês sedento por produzir talento nacional, terá seduzido os pais do jogador em causa para assinar pelo clube.
Antes de prosseguirmos, importa, contudo, explicar o que são o YD10 e o YD7. YD10 e YD7 são os formulários/contratos que os pais dos jovens atletas assinam, quando chegam a acordo com um clube profissional de futebol. O que os diferencia é, na sua essência, uma alínea. No YD10, caso o atleta decida por iniciativa própria, ou por iniciativa do clube, ser transferido para outra academia, uma soma terá que ser paga ao clube de origem. Soma essa que terá em conta a idade do jogador, o número de anos ao serviço do clube, etc. Na YD7, em caso de quebra de contrato o jogador é livre para assinar por outra academia.
O que o Liverpool desconhecia era que a criança em questão estava ligada ao Stoke por via de um contrato YD10. Tendo os pais se precipitado — é a minha leitura pessoal — perante as promessas do Liverpool e, principalmente, perante a oportunidade única do seu filho jogar num grande inglês, estes acabaram por quebrar o contrato que os unia ao Stoke, o que os colocou de imediato numa dívida de milhares de libras com o clube, uma vez que estes eram quem pagava a educação da criança, num colégio privado.
E depois disso, tudo mudou. Os Reds recusaram-se a pagar não só as dívidas de educação que unia ainda os pais/atleta ao Stoke, mas também o valor da transferência do atleta que, devido ao YD10, o Stoke tinha direito a receber. Com tudo isto, a criança viu-se numa situação em que nem poderia jogar pelo Stoke, nem por qualquer outro clube, a não ser que estes pagassem a transferência exigida pelo mesmo — neste caso específico 49.000 libras. Um típico caso de aliciamento de jovens atletas em que o Liverpool terá agido de forma muito pouco profissional.
Com a noticia a vir a público, o Liverpool enfrentava, no inicio de 2017, uma pena de suspensão de todas as suas atividades de transferência de jogadores, incluindo na sua primeira equipa. De lembrar que clubes como o Real Madrid, Barcelona e Atlético de Madrid já se viram sob alçada disciplinar da FIFA, não podendo, durante um determinado período de tempo, efetuar transferências, também devido à contratação irregular de jogadores menores.
No passado dia 20 de setembro, o caso chegou ao fim, com o Liverpool e a própria Premier League a acordarem pagar não só os custos relacionados com a educação da criança, como o montante exigido pelo Stoke City. Mais de um ano depois, a criança poderá agora tranquilamente continuar os seus estudos na escola que frequentara desde os 9 anos de idade e poderá também ter novas oportunidades caso existam clubes interessados em tê-lo na sua equipa.
Muito são os jogadores que ao quererem abandonar um clube acabam por se ver numa situação complexa. Os clubes recusam-se a pagar a compensação aos clubes de origem e estes ficam presos no sistema e a sua única solução é jogar em campeonatos/equipas amadoras, onde a competitividade será mais baixa e onde, com o passar do tempo, estas crianças com uma capacidade acima da média, acabam por ir perdendo o comboio que os poderia levar ao sonho de um dia serem jogadores de futebol.
Um problema a resolver
Muitos são os casos em que as famílias se queixam que não sabem de todas as possibilidades e que não sabiam o que estavam a assinar. Em Inglaterra, num contrato, qualquer alínea que ponha em causa a livre circulação de trabalhadores tem a obrigatoriedade de estar devidamente assinalada não só a vermelho, como com um símbolo próprio de uma mão chamando à atenção de quem lê para parar e tomar atenção extra. No caso do YD10 isso não acontece e a Premier League algo terá que fazer para que a situação não se volte a repetir.
Com os clubes a terem que ser devidamente ressarcidos, parece-me que esse poderia ser um valor ao qual os mesmos teriam direito, no caso dos jogadores se tornarem profissionais. Assim como acontece nos casos de futuras transferências, onde uma percentagem do valor da transferência de um jogador vai diretamente para os direitos de formação e para os clubes em causa. Não me parece justo existir, desde tão cedo, uma responsabilidade e pressão tão grande sobre pais e atletas.
Esta semana, na Premier League
Harry Kane já marcou mais golos no ano (civil) que muitas equipas inglesas, pelo que será com emoção e curiosidade que assistiremos ao pontapé de saída na jornada sete, quando o Tottenham visitar a equipa sensação desta edição, o Huddersfield.
Ainda no sábado, será que o Crystal Palace conseguirá quebrar a incrível falta de forma à frente do golo? Com seis jornadas jogadas o clube londrino apresenta-se com zero pontos e zero golos marcados. Não terá a vida facilitada na visita a Old Trafford nem na jornada seguinte, onde recebe o campeão Chelsea.
Por fim e a fechar o dia de amanhã, temos um emocionante Chelsea vs. Manchester City, onde Conte tudo fará para colocar um ponto final às exuberantes exibições dos Citizens.
Pedro Carreira é um jovem treinador de futebol que escolheu a terra de sua majestade, Sir. Bobby Robson, para desenvolver as suas qualidades como treinador. Tendo feito toda a sua formação em Inglaterra, passou por clubes como o MK Dons e o Luton Town, e também pela Federação Inglesa, o seu sonho é um dia poder vir a treinar na melhor liga do mundo, a Premier League. Até lá, pode sempre acompanhar as suas crónicas, todas as sextas, aqui, no SAPO 24. E não se esqueça que poderá sempre juntar-se à nossa liga SAPO 24 na Fantasy Premier League. O código de acesso é o 3046190-707247.
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