Com o futebol como epicentro, num coração onde assumidamente cabiam dois amores – Académica de Coimbra e Benfica – a política foi tema que ocupou, desde cedo, a Razão de Mário Wilson, o “Velho Capitão”.
Moçambicano, natural de Lourenço Marques, neto de um comerciante americano e de uma “princesa” africana, filha de um dos primeiros régulos (nome que se dava aos chefes tribais) da região de Catembe, é “adotado”, um ano após a maioridade, pelo seu segundo país, Portugal. Vindo da então colónia portuguesa, atraca na metrópole, começa por vestir de verde e branco durante dois anos, mas será trajado de capa e batina e com as cores pretas da Académica de Coimbra que a efervescência política começa a sentir-se, ao que não foi alheio o ambiente que começava a manifestar-se contra o regime ditatorial da altura. Em Coimbra, Wilson, estudante-jogador de Geologia, partilha “República” com António Almeida Santos. Das ligações à cidade estudantil, à Académica e ao Benfica, nascerá igualmente a ligação a Manuel Alegre, outra figura histórica do Partido Socialista, que viria apoiar, fazendo parte da Comissão de Honra da candidatura presidencial de Alegre em 2010, numa lista onde constava Toni, o “filho branco” de Mário Wilson.
Wilson não restringiu a sua magistratura de influência ao PS português. Foi igualmente íntimo de Agostinho Neto, com quem partilhou casa em Lisboa, e de outras figuras dos movimentos independentistas das antigas colónias africanas portuguesas.
Sedutor, frontal, sereno e sem nunca levantar a voz. Estas, entre outras, são algumas das características que muitos lhe enunciam e que, por certo, faltam a muitos dos homens que andam nos dois mundos, na política e no futebol, mundos que se misturaram ao longo da sua vida, embora fosse nos pelados, relvados e bancos que se viria a destacar.
Um pai brincalhão
Mário Wilson é uma das mais importantes figuras do futebol português dos últimos 60 anos. Desaparecido aos 86 anos, arrasta atrás de si uma história que se confunde com a própria história do futebol português.
De estatura alta, de porte físico assinalável, a entrada no desporto fez-se pelo basquetebol e atletismo em Lourenço Marques (Maputo) mas será no futebol que imortalizará o nome. Não tanto nos primeiros pontapés dados em Moçambique, no Desportivo de Lourenço Marques, filial do Benfica, mas sim quando abraça o profissionalismo à chegada a Lisboa, aos 19 anos, para representar o Sporting Clube de Portugal e para substituir a lenda dos “Cinco Violinos” Fernando Peyroteo. Não se dá nada mal: em duas épocas de “leão” ao peito, 40 jogos, 38 golos, sagrando-se campeão nacional no segundo ano (1950-51). Avançado de raiz, muda-se para Coimbra, deixando, de vez, de jogar de costas a passa a jogar de frente para a bola. Nasce o central Mário Wilson que em Coimbra ganha o epíteto “o Velho Capitão”. Na cidade banhada pelo Mondego permanece como jogador 12 anos. Pendura as chuteiras na temporada de 1962-63, mas salta para o banco da Académica, como técnico-adjunto de José Maria Pedroto. Adorado por jogadores, seduzidos pela sua voz de comando, numa espécie de “golpe palaciano” substitui, em 1964, Pedroto no cargo de treinador principal, mantendo com este, desde então, uma relação conflituosa.
Na Briosa, vive os seus momentos de glória. Vice-campeão nacional na época de 1966-67, algo inédito na história do clube e um ano depois atinge a final da Taça de Portugal, perdendo diante o Setúbal (2-3) na mais longa partida da prova (144 minutos). Com um currículo com passagens como treinador por mais de uma dezena de clubes da primeira e segunda divisão, além de selecionador nacional, Wilson é pai de um jogador de futebol que foi vivendo na sombra do apelido. Nesta relação, pai e filho encontram-se, pela primeira vez, como adversários, no ano da revolução de Abril (1974). A 20 de outubro, Wilson filho, com as cores da Académica “encheu” de orgulho o pai Mário, então treinador do Vitória de Guimarães, marcando um golo. O gosto ao pé contra a equipa do progenitor repetiu-se, dois anos depois, quando o filho jogava no Atlético e o pai assumiu o comando técnico do Boavista...num só jogo. Mário Wilson, filho, também vestiu a camisola das águias. Primeiro como John Mortimore, voltando a marcar ao Guimarães orientado pelo Mário Wilson, pai, e depois jogando debaixo das suas ordens, no Benfica, em 1979.
O clube da Luz, o outro grande amor de Mário Wilson, surge no percurso, quatro anos antes, um ano após a Revolução dos Cravos. Aos 46 anos, na época de estreia ao serviço das “águias”, será o primeiro treinador português a ser campeão. O “pai brincalhão”, como era apelidado no balneário, irá regressar inúmeras vezes ao banco “encarnado”, como “bombeiro de serviço”, sempre “presidenciável” quando chamado ou quando a “chicotada psicológica” ditava o seu nome. Conquistou a Taça de Portugal em 1979-80 e 1995-96 e retirou-se para sempre quando treinava o Alverca, em 1999.
Numa família de futebolistas, o filho, já retirado, perpetua o nome Wilson numa escola de futebol em Oeiras e o Bruno Wilson começou a dar os primeiros toques de bola na formação do Sporting, representando atualmente o Braga B. A filha, nada quis com as estrelas da bola e espalhou magia nas passerelles como Miss Portugal em 1982.
A 13 de Julho de 1990 foi feito Comendador da Ordem do Mérito, pelo então Presidente da República, Mário Soares. Em 2012, teve direito a uma biografia
“Mário Wilson o velho capitão”, da autoria de Carlos Rias. Almeida Santos, histórico socialista já falecido, viria a prefaciar o livro que tem edição Prime Books, obra na qual Manuel Alegre deixa o seu cunho através de um poema original que lhe dirige.
Ontem, hoje e amanhã, todos os quadrantes do futebol nacional curvam-se perante a figura ímpar. Fica o legado e muitas frases da sua autoria, entre as quais se destaca “quem treina o Benfica, arrisca-se a ser campeão nacional”, disse em tempos. Hoje outros acrescentam: “Um ser humano com um coração tão grande nunca nos devia deixar. Razão pelo qual permanecerá sempre na nossa memória como um caso raro de entrega e paixão ao fenómeno desportivo”, ressalva o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira na página oficial do clube. Do outro lado da Segunda Circular, o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, serviu-se do Facebook descrevendo-o como “reconhecidamente um cavalheiro”. Já Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, destaca a “superior conduta ética e moral” e uma “pessoa de uma bonomia e trato ímpares”. O líder da Liga NOS, Pedro Proença fala do “legado” que deixa no futebol nacional e o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, e o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, considerando-o como “uma das grandes referências do futebol nacional”.
Para o fim, recuperamos o discurso de Mário Wilson na Gala 108.º aniversário do Sport Lisboa e Benfica, durante a qual reconheceu Eusébio como ídolo. “Por muitos desgostos que possamos ter, valores mais altos se levantam e o valor mais alto em termos futebolísticos chama-se Benfica”, discursou. Ficam as palavras do último romântico do futebol nacional, figuras onde cabem Vítor Damas, Hilário e Eusébio, conforme disse Rogério Alves na SIC Notícias.
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