A notícia que todos esperavam, mas que ninguém queria ouvir. O Euro 2020 foi oficialmente adiado pela UEFA para o próximo ano, seguindo os passos e as posições de diversas competições no mundo do desporto. A edição deste ano, que celebrava os 60 anos da competição europeia, iria realizar-se em 12 cidades - Roma, Londres, Munique, Bucareste, Budapeste, Bilbau, Baku, Copenhaga, São Petersburgo, Dublin, Amesterdão e Glasgow - e estava programada para começar a 12 de junho na capital italiana.
O avanço dos números do Covid-19, pandemia que está grande parte dos países do mundo, tem tido efeitos drásticos em vários países europeus onde de destaca precisamente o local designado para dar o pontapé de partida à competição. Os últimos dados disponíveis revelam que Itália conta já com mais de 20.000 casos de infeção e mais de 2.000 mortes devido ao novo coronavírus e ainda sem uma previsão de suavização do surto, mesmo após a declaração de quarentena obrigatória por parte do governo italiano.
Face a este panorama e à probabilidade de outros vizinhos europeus poderem ser afetados também de forma severa, a UEFA não encontrou outra alternativa senão adiar por um ano a competição que coroou Portugal campeão em 2016. A seleção da quinas tinha sido sorteada no Grupo F, naquele que podia ser chamado o “grupo da morte” com Alemanha, França e ainda uma seleção vinda dos playoffs.
A adiamento do Euro para o período compreendido entre os dias 11 de junho e 11 de julho do próximo ano vem no seguimento do fado que vários eventos desportivos tiveram na última semana, quando os efeitos do novo coronavírus chegaram, pela primeira vez, a atletas e a equipas. Itália foi o primeiro país a suspender todas as competições, incluindo a Série A (liga italiana de futebol), depois do jogador Daniel Rugani, colega de Cristiano Ronaldo na Juventus, ter acusado positivo num teste ao vírus. Desde então, mais 9 jogadores que atuam no principal campeonato de futebol italiano revelaram ter sido infetados.
Como o novo coronavírus afetou o desporto
No futebol, observámos a suspensão indeterminada das principais ligas e competições europeias. O campeonato português, a La Liga (liga espanhola), Bundesliga (liga alemã), Ligue 1 (liga francesa), a Premier League (liga inglesa), a Liga dos Campeões e a Liga Europa seguiram o exemplo italiano, apesar de Portugal e Inglaterra terem sido casos menos paradigmáticos. Em terras de Camões, as organizações que tutelam o futebol e o desporto, de um modo geral, demoraram algum tempo a tomar uma posição mais prudente, tendo optado primeiro por estabelecer um limite de espetadores nos estádios/pavilhões e, depois, por uma medida de todos os jogos se realizarem à porta fechada.
Em terras de Nossa Majestade, onde o governo parece estar a optar por uma estratégia diferente para combater o Covid-19, o processo foi ainda mais complexo, muito devido a interesses económicos, como o jornalista Rory Smith, do New York Times, explicou na sua newsletter. Na liga mais rica do mundo, os efeitos do cancelamento de jogos iriam fazer-se sentir de sobremaneira nas equipas, que tanto dependem dos direitos de transmissão televisiva para os seus orçamentos anuais. Por isso, a federação fez de tudo para que a competição não parasse, incentivando apenas os clubes a tomar algumas medidas de prevenção. Contudo, quando as críticas começaram a fazer-se sentir, os casos de infeção de Mikel Arteta, treinador do Arsenal, e de Callum Hudson-Odoi, jogador do Chelsea, tornaram inevitável que a FA (Associação de Futebol Inglês) tomasse uma postura igual à das restantes ligas. Ainda sem data para regresso, um cancelamento da época levaria a uma clássica tragédia grega em Liverpool, que não vê um título nacional há 30 anos e que se encontrava a apenas duas jornadas de se sagrar campeão, com 25 pontos de avanço sobre o segundo classificado Manchester City (com menos um jogo que os Reds).
No basquetebol, dois casos fizeram furor e abalaram as duas principais ligas da modalidade, a liga espanhola e a NBA. Em Espanha, a primeira equipa a declarar quarentena foi o Real Madrid depois de um caso positivo no seu plantel (que depois de alastrou ao futebol e, em última instância, à principal liga de futebol). Nos EUA, foi um europeu a despoletar uma ação mais séria sobre o vírus. Depois de uns dias antes ter brincado com o tema numa conferência de imprensa, Rudy Gobert, jogador dos Utah Jazz, testou positivo para o Covid-19 e levou a uma sequência de acontecimentos que começou com a infeção do seu colega de equipa Donovan Mitchell e acabou com a suspensão da temporada por tempo indeterminado. Sem perspetivas de retorno, a época poderá acabar sem March Madness (período onde se joga a principal competição universitária de basquetebol), sem campeão (esperava-se uma luta acesa em ambas as conferências) e sem Draft (processo pelo qual jogadores universitários chegam à NBA).
Na Fórmula 1, o vírus começou por afetar um engenheiro da McLaren, levando a que a equipa se retirasse do Grande Prémio da Austrália, no circuito de Melbourne, naquela que seria o primeira corrida da temporada. Ao caso dos ingleses, seguiu-se a suspensão do Grande Prémio inaugural e dos três seguintes, no Bahrein, Vietname e em Xangai. Sem data de regresso, a FIA (órgão responsável pela F1) espera poder começar a temporada em Maio, no Grande Prémio da Holanda.
No ténis, a primeira medida de prevenção foi o cancelamento no Torneio de Indian Wells, na Califórnia. Com a propagação do virus pela Ásia e pela Europa, a ATP (associação masculina) e a WTA (associação feminina) decidiram suspender os respetivos circuitos até maio, havendo o risco de que tanto Roland Garros como Wimbledon, os grand slams (principal categoria de torneios da modalidade) que se seguem, também não aconteçam este ano.
No atletismo, os Campeonatos do Mundo em pista coberta, que se iriam realizar de 13 a 15 de março, foram adiados para o próximo ano. A eles juntaram-se a Maratona de Londres (adiada para 4 de outubro), de Boston (para 14 de setembro), de Barcelona (para 25 de outubro) e de Amesterdão e Paris, ainda sem nova data.
Entre outros desportos, rugby, MotoGP, judo, golfe e ciclismo também sofreram diversas suspensões de competições na sua modalidades um pouco por todo o Mundo.
O próximo evento desportivo que pode ser uma vítima do novo coronavírus? Os Jogos Olímpicos, que estão agendados para decorrer em Tóquio, no Japão, entre os dias 24 de julho e 9 de agosto. Apesar de estar a quatro meses de distância e do otimismo do Comité Olímpico, o Covid-19 deverá complicar a logística dos preparativos para o evento e a própria preparação dos atletas para a competição que, desde o século XX, apenas por três ocasiões não foi organizada, sempre devido a conflitos internacionais: em 1916, devido à 1.ª Guerra Mundial e, em 1940 e 1944, devido à 2.ª Guerra Mundial.
Por acaso, não é a primeira vez na História
A suspensão de eventos - como o Euro 2020 - devido a razões extraordinárias não é novidade na história do desporto. Aliás, nem sequer é a primeira competição a ser adiada ou cancelada por causa um vírus. Em 1919, o mundo recuperava de uma devastadora guerra mundial, numa época em que o desporto ainda não tinha atingido o estatuto global que hoje observamos. Na Europa, as principais modalidades não tinham competições nacionais bem estruturadas e "Liga dos Campeões", "Liga Europa", "Campeonato da Europa" e "Campeonato do Mundo" ainda eram nomenclaturas que estavam a uns anos de distância de se tornarem realidade.
Porém, antes do início dos loucos anos 20, do outro lado do Atlântico, a Stanley Cup já coroava o campeão da NHL, a liga americana de hóquei no gelo. A edição de 1919 colocou frente a frente os Seattle Metropolitans contra os Montreal Canadiens, numa série de cinco jogos para determinar o vencedor da competição.
No entanto, depois de dois jogos para cada lado (pelo meio houve um empate, que levou a um jogo extra e a obrigar a NHL a reformular as regras para que houvesse um golo de ouro que determinasse um vencedor no final de cada partida) e a poucos dias do sexto e decisivo jogo, a equipa dos Canadiens ficou com apenas três jogadores disponíveis, porque a maior parte do plantel foi contagiado pela chamada gripe espanhola que, entre 1918 e 1920, provocou entre 50 a 100 milhões de vítimas no mundo inteiro, especulando-se que terá tido origem nas trincheiras europeias onde se desencadeou grande parte da 1.ª Guerra Mundial.
Sem jogadores para lançar na pista de gelo, George Kennedy, o treinador da equipa de Montreal, ainda tentou pedir atletas emprestados aos Victoria Cougars, equipa conterrânea que também tinha participado na competição, mas com uma resposta negativa do presidente da vizinha canadiana, Kennedy não teve outra hipótese senão desistir da competição e entregar o título a Seattle que, por solidariedade, também desistiu da competição, deixando o troféu de 1919 sem um campeão definido.
Vinte anos mais tarde, e já com competições globais de futebol em andamento - o Campeonato do Mundo de futebol já se tinha realizado em 1930, 1934 e 1938 -, a segunda Grande Guerra impediu, primeiro, que a edição de 1942 do Mundial de Futebol se pudesse realizar e, em 1946, apesar da Europa e o Mundo já viverem num período de “aparente paz”, a FIFA encontrava-se dizimada economicamente e não teve condições para preparar uma edição nesse ano. Desde aí, nunca mais vimos uma competição internacional de futebol deste nível ser adiada ou cancelada.
E, agora, o que nos resta?
Enquanto falava no The Bill Simmons Podcast sobre o novo coronavírus, o escritor canadiano Malcolm Gladwell afirmou que “a Netflix era a grande vencedora de toda esta situação”. E, de facto, é porque os últimos 70 anos habituaram-nos a viver num mundo que o desporto e a ficção ocupam grande parte do nosso tempo livre.
Desde o meio do século XX, nenhum evento levou a uma paralisação generalizada pelo mundo de todas as competições desportivas como o Covid-19. O 11 de setembro 2001 suspendeu desportos nos EUA durante algumas semanas e criou alguma apreensão globalmente, mas não levou ao cancelamento de alguma competição de relevo.
Com a eliminação de uma parte da rotina e com a cada vez mais exigências de isolamento, esperam-se semanas "vazias" para os fãs do desporto, que terão de recorrer a outras formas de entretenimento. Uns optarão por plataformas de streaming de filmes, séries, podcasts e música. Outros por um bom livro, um bom videojogo ou, quem sabe, por rever momentos históricos do desporto que nos relembram as saudades que já temos de alguma normalidade.
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