“Portugal não tem a receber lições de moral, seja de quem for”, afirmou António Costa e Silva em entrevista à Lusa, quando questionado sobre as polémicas que envolvem a chinesa Huawei, acusada de 13 crimes por procuradores norte-americanos, incluindo fraude bancária e espionagem industrial.
Costa e Silva disse que a China tem “uma grande empresa que hoje é imbatível no mercado”, a Huawei, e que isso resultou de ter recuperado a diáspora chinesa, através de investigadores e empresários nos Estados Unidos que Pequim atraiu.
“Qual é o grande objetivo? É dominar exatamente a nova tecnologia, a nova geração de tecnologias digitais e que tem a ver com o ‘big data’, tem a ver com a Internet das coisas, carros autónomos, gestão das cidades inteligentes”, declarou.
No fundo, os chineses “estão a mudar um bocado o seu paradigma industrial, no sentido de, em vez de serem a fábrica do mundo, serem também aqueles que providenciam tecnologia ao mundo, fazendo concorrência aos americanos. O que é que está aqui? É a luta pela liderança tecnológica numa área que vai ser crucial para o futuro”, salientou.
Ou, noutras palavras, a nova rota da seda digital. E o que é isso? “São as fibras óticas, as ligações, os satélites, todo o conjunto de redes móveis” e “o controlo dessas infraestruturas”, defendeu Costa e Silva.
“Em termos de futuro, vamos ter a Huawei a fabricar os circuitos integrados, a fabricar as peças fundamentais das redes de telecomunicações, mas também vamos ter” outras empresas como Nokia, Ericsson, Samsung e outras americanas, afirmou o presidente da Partex.
“Não se pode parar o desenvolvimento da tecnologia com um muro e, portanto, traçar um muro e lançar um anátema sobre um país. E porquê? Porque os factos são factos. Desde que entramos no século XXI, a China, cada ano, investe mais 20% em investigação e desenvolvimento, são já o maior investidor do mundo” nesta área.
Investem cerca de 240 mil milhões de dólares anualmente, o que representa “25% de todos os gastos que há no mundo em tecnologia e investimento”, e isso revela que a China está “a procurar a liderança tecnológica”, considerou.
O presidente da petrolífera Partex, de que a Fundação Gulbenkian detém a totalidade do capital, entende que “a Europa deve resistir” às pressões norte-americanas relativamente à China, por via da Huawei.
“A questão que está aqui é simplesmente a questão da segurança” e esta com requisitos impostos pelos centros nacionais de segurança “pode ser regulada” e “evitar” a passagem de “qualquer informação para empresas estrangeiras que dependam de regimes autoritários”, considerou.
“Sabemos que a relação nesses regimes entre as empresas e o próprio Estado é uma relação muito ambígua e muito profícua”, admitiu, apontando, no entanto, que o acesso indevido a dados ou informação não é algo de novo e também acontece em democracias, recordando as revelações do analista Edward Snowden, que denunciou que os Estados Unidos faziam o mesmo.
“Uma enorme hipocrisia”, classificou.
Na sua opinião, “Portugal tem feito muito bem em tentar desenvolver as suas relações com a China”, pois trata-se de um “parceiro estratégico” de futuro, em termos de comércio mundial, desenvolvimento tecnológico e fluxos, utilizando a bacia Atlântica.
“É evidente que esta relação que existe com a China é fundamental, tenho pena que Portugal não tenha aderido ao grande projeto chinês da rota da seda, que é um projeto comercial, evidentemente tem interesses geopolíticos, mas é absolutamente crucial”, prosseguiu.
O investimento chinês, que entrou em Portugal ‘à boleia’ das privatizações, “dá estabilidade às empresas portuguesas”, considerou o gestor.
“No período negro da ‘troika’, quando todos os investidores fugiram, foram os chineses que apareceram”, sublinhou António Costa e Silva, acrescentando que “os chineses, ao contrário do que acontece no Ocidente, têm uma visão a longo prazo”.
Contudo, defendeu que Portugal “não pode estar só dependente do investimento chinês”, tem de apostar na diversificação e “manter relações comerciais múltiplas”.
“Tem que reforçar as suas ligações com os Estados Unidos, mesmo na questão do ‘Brexit’, aproveitar para reforçar as relações com a Inglaterra”, além da França, Alemanha ou Espanha, entre outros, “mas não esquecer a Ásia”.
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