O Estado vai receber todo o seu dinheiro e com juros, pelo menos parciais. Os credores comuns também estão com sorte, mas os subordinados vão perder tudo. Doze anos depois, estas são as únicas certezas que a Comissão Liquidatária do BPP apresentou naquilo a que chamou "Plano de Liquidação".

O documento deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, na Unidade Central de Comércio, no passado dia 1 de julho, e é a resposta a uma intimação do novo juiz do processo, que a 8 de junho emitiu um despacho para obrigar a Comissão Liquidatária a indicar "os valores existentes à ordem" e a explicar por que motivo, decorridos todos estes anos, ainda não foram feitos pagamentos, ainda que parciais, aos credores, como determina a lei.

A Comissão Liquidatária assume que, "mais do que um plano de liquidação, o documento constitui um "balanço" das diligências de liquidação mantidas ao longo dos últimos cerca de 12 anos". Ainda assim, não publica uma lista dos pagamentos já realizados por credor nem tão pouco um planeamento de pagamentos a realizar daqui para a frente.

"Crê-se, como bastante provável, que este credor [Estado Português] venha a ser pago na sua totalidade no que se refere a capital e que os juros (também garantidos) venham a ser pagos parcialmente", lê-se no relatório. "Salienta-se que, além disso, estão já vencidos mais de 160 milhões de euros de juros do credor Estado Português, que se encontram garantidos até ao montante do valor obtido com os ativos empenhados. Prevê-se que o pagamento dos mesmos seja apenas parcial, em montante que ainda não é possível quantificar".

"No que se refere aos créditos comuns verificados [944,103 milhões de euros], não é ainda possível estimar a percentagem que poderá vir a ser paga". Contudo, "não será possível efectuar quaisquer pagamentos enquanto não se encontrarem pagos os créditos garantidos e privilegiados", adverte a Comissão Liquidatária.

De resto, "encontra-se em preparação o pagamento aos credores privilegiados, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e um ex-trabalhador do BPP, em montante que ascenderá a cerca de 500 mil euros, avança a Comissão Liquidatária."

"Por fim, dá-se, desde já, nota de que não será possível a realização de quaisquer pagamentos de créditos subordinados", avaliados em 221,567 milhões de euros.

O relatório de 45 páginas tem como objectivo prestar informação mais detalhada quanto aos bens apreendidos para a massa insolvente. Apesar disso, não fixa metas quantitativas ou temporais para a realização de pagamentos a credores, nem sequer discrimina os pagamentos já efectuados por cada um dos quase seis mil credores reconhecidos, numa dívida total de 1.391 milhões euros.

Ainda há 48 ações pendentes nos tribunais

À data de 16 de abril de 2010 os ativos apreendidos tinham um valor bruto de 975,2 milhões de euros (698,9 milhões líquido). Este valor era de 630,9 milhões de euros (239,8 milhões líquidos) em 31 de dezembro de 2021. Ou seja, menos 459,1 milhões de euros líquidos do que há doze anos. 

No total, foram pagos até ao final do ano passado 407,108 milhões de euros a credores, dos quais 406,316 milhões de euros ao Estado português, como avançou em novembro o SAPO24, 754 mil euros ao Sistema de Indemnização aos Investidores (SII) e 38 mil euros ao Fundo de Garantia de Depósitos (FGD). 

Uma conta simples mostra que se retiramos ao ativo líquido existente em 2010 o valor total pago a credores, sobram ainda perto de 52 milhões de euros. Mas, note-se, ao longo destes doze anos a Comissão Liquidatária recuperou diversos ativos para a massa insolvente, de créditos a clientes a bens imóveis. A pergunta que se impõe é: para onde foi todo esse dinheiro?

Se juntarmos aos custos com pessoal as despesas administrativas, em doze anos a Comissão Liquidatária já custou mais de 50 milhões de euros.

Para resolver existem ainda diversos imbróglios. Só em tribunal estão pendentes 48 ações - tendentes à cobrança de valores em dívida que ascendem a 30 milhões de euros. A falência do Banco Privado Português deu origem a mais de 100 processos, apresentando-se o BPP ora como réu, ora como autor. Não é previsível quando estarão terminadas as ações ainda a decorrer.

Venda de obras de arte até final do ano

Entretanto, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, já sabe quanto terá de pagar pela colecção de arte da Fundação Ellipse se, como anunciou, o Ministério a quiser adquirir para o Estado português.

O relatório foi apresentado por um grupo de trabalho constituído por Pedro Lapa, Luís Afonso e Sandra Vieira Jürgens, curadora da coleção de arte contemporânea do Estado, mas apesar de ter chegado ao governo, não chegou ao tribunal, onde consta todo o processo de liquidação do BPP.

A Fundação Ellipse, dona de uma das maiores coleções de arte contemporânea a nível mundial, com mais de 700 obras, é detida pela Holma, empresa de que o BPP é accionista e credor de uma verba que ronda os 30 milhões de euros (por financiamentos à compra destas obras), e que está em processo de insolvência.

De acordo com a última avaliação realizada, a coleção poderá valer mais de 40 milhões de euros. O objetivo do ministro da Cultura, que terá ainda de discutir números com o ministro das Finanças, Fernando Medida, é ficar com a coleção através da troca dos créditos da dívida do BPP (o Estado tem ainda a receber 40,688 milhões, verba relativa a crédito garantido e privilegiado).

Mas há mais arte na posse direta do BPP. "Encontra-se em curso o processo de negociação quanto aos termos e condições de venda do ativo arte, estimando-se que até ao final do ano se proceda à sua alienação", diz a Comissão Liquidatária.

"Foram apreendidas obras (pintura, fotografia, escultura, instalações, desenhos e outras obras sobre papel) pertencentes à massa insolvente, e depositadas nas instalações do Banco de Portugal no Carregado e na Fundação de Serralves, no Porto, cujo valor ascende a 7,1 milhões de euros, com base nos dados contabilísticos disponíveis". Foram também apreendidos para a massa insolvente outros bens móveis no valor de 900 mil euros. 

Além dos bens móveis, o BPP recebeu 51 imóveis em dação, pelo valor correspondente a 70% do valor patrimonial tributário, avaliados em 3,8 milhões de euros. Estes imóveis têm vindo a ser vendidos diretamente ou através de leilão eletrónico: até hoje foram vendidos 12 imóveis por 415 mil euros, falta vender 39. A venda, segundo a Comissão Liquidatária, deverá ocorrer no prazo de 12 meses.

Mas também aqui as coisas não são lineares. Há nove anos, em julho de 2013, a Comissão Liquidatária comprou o imóvel da Rua Mouzinho da Silveira (sede) por 1,6 milhões e euros, e o da Rua Alexandre Herculano, nº. 27 e 27A, por 1,4 milhões de euros. Tinham sido apreendidos para a massa insolvente e, diz a Comissão Liquidatária, a operação, que teve o consentimento da Comissão de Credores, foi feita por o valor da alienação estar muito abaixo do valor de mercado, o que "acarretaria uma delapidação do património em liquidação".

Agora, entre os processos que podem ter impacto no valor da liquidação, há um processo de execução fiscal movido pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças para pagamento de 46 milhões de euros. Este processo teve origem na venda de três imóveis [nº. 25 e  nº. 27 da Rua Alexandre Herculano e sede] hipotecados a favor do Estado português, como contragarantia parcial no âmbito do empréstimo de 450 milhões de euros.