Esta foi uma das mensagens transmitidas pelo professor universitário António Costa Silva, autor do Plano de Recuperação 2020/2030, num discurso que proferiu ao longo de 80 minutos, durante uma sessão que decorre no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, e que conta com a presença de vários membros do Governo.
Numa sessão destinada a assinalar o lançamento da discussão pública de um documento de médio prazo, António Costa Silva deixou ao executivo um recado com caráter de urgência, apontando que a crise sanitária provocada pela covid-19 "está a arrastar uma crise económica que vai ser profunda e muito difícil".
"Temos uma queda expressiva do Produto Interno Bruto (PIB), do consumo e do investimento, e um aumento da taxa de desemprego. É evidente que os planos que o Governo está a articular de resposta imediata à crise estão a funcionar. Mas chamo a atenção para aquilo que pode acontecer em setembro e em outubro se alguns dos planos e apoios deixarem de ser executados", referiu o gestor convidado pelo primeiro-ministro, António Costa, para a elaboração do Plano de Recuperação 2020/2030.
António Costa Silva avisou então que há "empresas que são rentáveis que estão atualmente com a corda na garganta".
"Penso que é fulcral manter essas empresas à tona, foram atingidas duramente pela pandemia. Se recuperarem são eixos fundamentais para o desenvolvimento da economia" defendeu.
Na sua intervenção, o professor universitário advertiu também que a atual crise "vai exponenciar alguns dos constrangimentos estruturais do país.
"São constrangimentos históricos que ainda não conseguimos superar: Um mercado interno limitado, empresas descapitalizadas, uma dívida pública elevada, uma estrutura produtiva pouco diversificada, baixa produtividade, nível baixo do investimento e um nível alto de fiscalidade. Para responder a estes constrangimentos, temos de colocar as pessoas e as empresas no centro do Plano de Recuperação Económica", sustentou.
Como objetivos, entre outros, o autor do plano colocou o combate à precariedade laboral, uma alteração do atual perfil da economia com "mais investimento privado", o investimento em infraestruturas e a atração de talentos.
"Atenção: Se mantivermos o sistema vigente na administração pública, não vamos conseguir responder. É urgente aumentar a eficácia dos reguladores e combater alguma lentidão que possa existir na justiça fiscal e económica", advogou, antes de se referir ao setor da educação, onde identificou a existência de um persistente défice de qualificações que pesa no PIB nacional.
Em matéria de educação, António Costa Silva propôs um "rejuvenescimento do corpo docente em Portugal" com mais atenção ao digital e à formação dos professores.
Neste seu discurso, o consultor do Governo voltou a preconizar a construção de uma linha de alta velocidade ferroviária entre Lisboa e o Porto, argumentando a este propósito com a elevada probabilidade de serem proibidos a prazo, sobretudo por motivos ambientais, os voos com distância inferior a 600 quilómetros.
Teoria do Estado mínimo foi derrotada pela História
O gestor António Costa Silva, autor do Plano de Recuperação 2020/2030, considerou hoje que a crise da covid-19 demonstrou que a teoria do Estado mínimo foi derrotada pela História e criticou as teses da autorregulação dos mercados.
Esta posição foi defendida pelo professor universitário no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, na sessão de lançamento do debate público do documento que elaborou a pedido do primeiro-ministro, António Costa.
Na parte mais ideológica da sua longa intervenção inicial, com vários membros do Governo e representantes de vários partidos na primeira fila da plateia (PS, Bloco de Esquerda, CDS-PP, PAN e Chega), António Costa Silva defendeu que a atual crise sanitária "demonstrou a validade extraordinária do Serviço Nacional de Saúde (SNS)", classificando mesmo como "notável" a resposta dada no combate à pandemia.
"Aquelas teorias que diziam que devíamos ter um Estado mínimo, que devíamos desmantelar o Estado estão derrotadas pela História. Quando grandes ameaças externas acontecem, o Estado é a nossa única e última barreira de proteção", sustentou.
António Costa Silva ilustrou depois a defesa desta posição com a sua experiência profissional enquanto gestor no setor privado.
"Apesar de ter passado toda a vida nas empresas e entender que os mercados são máquinas fundamentais de criação de inovação, de competitividade e de riqueza, defendo com ênfase que tem de haver um equilíbrio virtuoso entre o Estado e os mercados", afirmou o professor universitário, advogando em seguida que "os mercados autorregulados não funcionam necessariamente para o bem comum".
"A combinação virtuosa entre o Estado e o mercado é um dos grandes desafios deste tempo", reforçou.
Ainda segundo o gestor, a atual crise sanitária revelou também "a excessiva dependência que o país e a Europa têm de certos países asiáticos para equipamentos críticos, designadamente com a China à cabeça".
"Por isso, vai haver uma reorganização das cadeias logísticas e uma reindustrialização da Europa, alinhada com o conceito de autonomia estratégica", disse, antes de clarificar este ponto da sua tese.
"Para mim, reindustrialização não significa regressar ao passado, mas construir as bases das indústrias do futuro", declarou.
Ainda na parte mais ideológica da sua intervenção, António Costa Silva criticou também as conceções financista e economicista inerentes às doutrinas neoliberais.
"Eu, que sou uma pessoa que dá grande importância à economia, penso que temos uma visão das nossas sociedades que é excessivamente economicista e financista, não se prestando a devida atenção a outras ciências como a demografia, a epidemiologia, as ciências da saúde, a sociologia e toda a galáxia das ciências sociais, que são cruciais para apreendermos a complexidade do mundo em que vivemos", apontou.
Ora, outra lição desta crise, de acordo com o consultor do Governo, "é a demonstração de que é preciso criar um centro de resiliência capaz de lidar com as próximas pandemias e com as próximas crises".
"Somos um país de risco sísmico e de risco climático, além de podermos ser alvo de ciberataques", justificou, num discurso em que também lamentou que a abundância de informação produzida na sociedade atual não se reflita em conhecimento.
Em relação à execução do seu plano de recuperação, com um horizonte de médio prazo, António Costa Silva desligou-se dessa tarefa, contrapondo que "é uma responsabilidade do Governo fazer as escolhas e pôr a máquina a funcionar".
Costa Silva diz que aeroporto e TAP são "indispensáveis"
O consultor do Governo António Costa Silva afirmou hoje que a TAP e o novo aeroporto são “indispensáveis” ao país e reafirmou que a ligação ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Porto “é cada vez mais importante”.
“Quando se olha a performance da economia portuguesa, a questão da conectividade é absolutamente vital”, começou por dizer António Costa Silva durante um debate no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, que se seguiu à apresentação do documento "Visão Estratégica para o Plano de Recuperação 2020/2030", da sua autoria.
“Nós não vamos sobreviver no século XXI se não apostarmos nos sistemas que nos ligam ao mundo e é por isso que a ferrovia é cada vez mais importante e que a ligação de alta velocidade entre Porto e Lisboa é tão importante”, sublinhou o gestor, acrescentando que “as ligações aéreas até 600 quilómetros - e já se discute que até 1.000 quilómetros - vão ser pura e simplesmente proibidas”.
Para António Costa Silva, esta situação exigirá “um grande ajustamento para a aviação internacional”.
Neste contexto, em Portugal, pela sua própria geografia, “o aeroporto é indispensável e a TAP é indispensável”, salientou o consultor do Governo, afirmando que “não estamos na idade das cavernas” mas “num mundo global que vai ser ajustado”.
No documento, Costa Silva defende a construção de um aeroporto "para a grande Área Metropolitana de Lisboa", destacando que "as ligações aéreas são fundamentais na performance da economia portuguesa", não só para o turismo mas para outros setores.
Com quase 140 páginas, o documento feito pelo consultor a pedido do Governo e que entra agora em discussão pública, servindo de base para o plano de recuperação do executivo a apresentar à Comissão Europeia em outubro, não prevê o impacto financeiro das medidas a tomar.
António Costa Silva disse que, apesar de ter feito as contas, essa matéria “é da competência do Governo”, a quem caberá definir prioridades.
O documento "Visão Estratégica para o Plano de Recuperação 2020/2030" de Costa Silva foi apresentado no mesmo dia em que o Conselho Europeu chegou a acordo sobre um pacote financeiro de 1,82 biliões de euros para a retoma da economia comunitária, após longas e difíceis negociações.
Portugal vai arrecadar, com o orçamento da União Europeia (UE) a longo prazo e o Fundo de Recuperação, 45 mil milhões de euros em subsídios, destinando 300 milhões à região do Algarve, devido à quebra no turismo.
Falando hoje aos jornalistas em Bruxelas, minutos depois de o Conselho Europeu ter chegado a acordo, o primeiro-ministro português, António Costa, indicou que, “no total, entre verbas disponíveis através do próximo Quadro Financeiro Plurianual e verbas mobilizadas a partir do Fundo de Recuperação, Portugal terá disponíveis 45 mil milhões de euros” nos próximos sete anos.
No anterior Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020 – e no qual não estava incluído o Fundo de Recuperação agora criado por causa da pandemia –, Portugal dispunha de 32,7 mil milhões de euros, havendo agora um acréscimo de 37%.
Entre os 45,1 mil milhões de euros que o país irá agora arrecadar incluem-se 15,3 mil milhões de euros em transferências a fundo perdido exatamente no âmbito desse programa para a recuperação, bem como 29,8 mil milhões de euros em subsídios do orçamento da UE a longo prazo 2021-2027.
E, embora não entrem nestas contas, a estes montantes acrescem 10,8 mil milhões de euros em empréstimos, ainda no âmbito do Fundo de Recuperação.
(Artigo atualizado às 15:20)
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