“Não faz nenhum sentido que se introduzam em Portugal medidas legislativas várias de caráter populista, que penalizam os bancos portugueses em relação aos congéneres europeus e contrariam o objetivo de level playing field [ter um cenário com igualdade de regras de mercado] contido no projeto da União Europeia”, criticou o responsável, que falava num almoço-debate promovido pelo International Club of Portugal, em Lisboa.

Frisando que estas novas leis foram introduzidas após “uma pressão regulatória sem precedentes, um autêntico massacre regulatório”, Faria de Oliveira considerou ser “indispensável que os políticos atentem nas implicações e nos impactos das suas opções, não criando desincentivos à atratividade do sistema bancário junto dos investidores nacionais e estrangeiros”.

Já falando aos jornalistas à margem do encontro, o antigo governante notou que “há vários projetos legislativos que foram sendo apresentados e que […] têm implicações enormes na solidez das instituições bancárias”.

“Os bancos exercem uma missão fundamental para a sociedade e não podem ser discriminados em Portugal em relação a tudo aquilo que se passa em todos os outros países da Europa”, vincou, reforçando que “algumas dessas medidas não têm paralelo em nenhum outro país da Europa e não fazem qualquer sentido”.

Em causa estão, de acordo com Faria de Oliveira, leis que “procuram corresponder a certo tipo de reivindicações, mas tudo deve ser ponderado e ajuizado em todas as reivindicações que podem ocorrer”, como a que está relacionada com a aplicação aos contratos de empréstimo dos valores negativos das Euribor, conhecida este mês.

“No caso das Euribor negativas, não é o impacto imediato que me assusta, [porque] vai aplicar-se a muito poucas pessoas e, principalmente, só àquelas que têm ‘spreads’ muito baixos e, portanto, os melhores clientes, aqueles que têm mais rendimentos”, observou.

A seu ver, esta legislação “abrange um número limitado de pessoas e o impacto imediato é reduzido”.

“O problema é o precedente terrível e se houvesse, por qualquer razão, uma situação mais complicada, o impacto global seria verdadeiramente sistémico. Se em vez de termos taxas de juro negativas na ordem que temos tido elas fossem bastante mais elevadas, superiores a 1%, os impactos aí seriam sistémicos”, exemplificou.

Faria de Oliveira pediu, assim, que medidas como esta fossem “devidamente ponderadas”, já que “o sistema bancário vive da estabilidade financeira e sem estabilidade financeira não há financiamento à economia, aos cidadãos, e portanto deixa de haver possibilidade de apoiar as empresas, de criar riqueza e de criar emprego”.

Um diploma publicado em meados de julho em Diário da República estipulou que os bancos serão obrigados a refletir nos contratos do crédito à habitação os valores negativos das Euribor, tendo até 30 de julho para rever o indexante de cálculo da taxa de juro dos créditos.

O diploma esclareceu que “o valor negativo apurado deve ser deduzido ao capital em dívida na prestação vincenda”, e especificou que as alterações publicadas se aplicam às prestações vincendas dos contratos de crédito em curso à data da sua entrada em vigor.

Acordos governativos que “adiam o futuro”

Faria de Oliveira criticou também os acordos governativos “de conveniência” que “comportam sérios riscos para o futuro” porque “o adiam”, apesar de resolverem “questões de curto prazo”, como acontece em Portugal.

“Neste ambiente político, de difícil criação de maiorias, quando não existe uma cultura de compromisso, é muito difícil gerar soluções políticas estáveis e proporcionar o enquadramento necessário ao crescimento económico sustentado e ao progresso social. E isso é ainda mais complexo quando, em acordos governativos com vista à obtenção de uma maioria parlamentar, estão partidos que não acreditam ou rejeitam a economia de mercado”.

Para Faria de Oliveira, “soluções governativas que não são projetos políticos, mas acordos de conveniência não têm consistência e comportam sérios riscos para o futuro [uma vez que] adiam o futuro”.

“Podem até resolver questões de curto prazo, atender à necessidade de obter resultados, mas em geral protelam a resolução de questões de fundo, raramente incluem reformas estruturais - quando não acabam mesmo por reverter algumas - e assim, não asseguram a sustentabilidade do crescimento económico”, reforçou o também antigo gestor e governante.

E precisou: “Os atuais governos de Espanha e Itália e, de certo modo, de Portugal, são uma consequência da dispersão do voto dos eleitores”, estando-se “perante soluções temporárias e precárias”.

Na ocasião, Faria de Oliveira abordou também a saída do Reino Unido da União Europeia, afirmando que este processo é um “exemplo claro do desconforto em relação ao projeto europeu e comporta riscos que têm de ter respostas que os minimizem”.

“A Europa tem de encontrar um novo impulso”, vincou, defendendo a criação de uma União Financeira, “compreendendo a União Monetária, a União Bancária, ainda por completar, e a União dos Mercados de Capitais, por realizar”.

O Reino Unido vai deixar a União Europeia em 29 de março de 2019, dois anos após o lançamento oficial do processo de saída, e quase três anos após o referendo de 23 de junho de 2016 que viu 52% dos britânicos votarem a favor do ‘Brexit’.

Depois de, em dezembro do ano passado, ter sido aprovado um documento de entendimento sobre os termos da saída, em março foram aprovadas as linhas para um período de transição que vai prolongar-se até ao final de 2020.

Bruxelas e Londres têm até ao final deste ano para traduzirem estes acordos em textos jurídicos e assimilá-los nas respetivas legislações, ao mesmo tempo que negoceiam um futuro acordo comercial.


Notícia atualizada às 17:14