A História é um contínuo de ocorrências que se sucedem em função das anteriores, mas há acontecimentos que se destacam e têm consequências telúricas. São tão importantes que até podem ser referidos para marcar uma mudança de época. São os casos da queda Constantinopla em 1453, ou da Revolução Francesa, em 1789, ou ainda do lançamento da bomba atómica em Hiroshima, em 1945.
Será que o ataque às torres gémeas de Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001, é um desses acontecimentos?
É difícil dizer a tão pouca distância. No entanto, em apenas 16 anos, o mundo mudou tanto que é legítimo avaliar que, não sendo o chamado “9/11”, uma acção de grandes proporções, pode muito bem servir de marco simbólico para as mudanças políticas, sociais e de percepção da opinião pública que ocorreram desde então. [No ataque morreram 2.997 pessoas, muito menos do que em qualquer outro dos marcos atrás indicados. Mas esse não é, nem pode ser, o indicador de referência do que são grandes acontecimentos que mudam o mundo.]
O 11 de setembro marca, sem dúvida, o começo do século XXI, ou seja, a mudança dos paradigmas do século anterior, que tinha começado em 1914, assim como o século XIX começou, efetivamente, em 1789. É também o fim do quadro internacional criado em 1945, com a criação das Nações Unidas e do “equilíbrio” Guerra Fria, assim como do jogo de pesos e contrapesos económicos marcado pela preponderância multi-continental dos interesses dos Estados Unidos da América.
Entre o fim da II Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim, em 1989, deu-se uma polarização entre dois conceitos políticos, económicos e sociais, o socialismo e o capitalismo. A partir da queda dos regimes comunistas, ou da sua transformação em variantes capitalistas (caso da China), a hegemonia militar norte-americana permitiu-lhe criar uma “ordem mundial” capitalista baseada em várias fórmulas mais ou menos abastardadas, como o “comércio livre” e a “democracia”.
Em 2001, essa “ordem mundial”, sempre contestada mas nunca vencida, começou a desmoronar-se rapidamente. Tanto assim que hoje não faz sentido falar em dialéctica capitalismo/comunismo, nem num mundo bipolar. Deixou de haver uma diferença nítida entre guerra e paz; existem os “conflitos de baixa intensidade” e as “zonas instáveis” onde não se percebe imediatamente qual é situação militar.
A guerra, no sentido de dois inimigos frente a frente a combater por um território, passou a ser chamada de “guerra clássica” – isto é, antiga – e foi substituída pela “guerra assimétrica”, em que a supremacia militar é contrabalançada pela dissimulação e imprevisibilidade do outro lado. A Convenção de Genebra, que ao longo dos anos (1864-1949) foi aperfeiçoada para criar regras de envolvimento armado, simplesmente deixou de fazer sentido.
De certo modo recuou-se para o tempo em que todos os alvos são legítimos, todos os métodos válidos, todas as brutalidades justificadas
A paz, agora chamada de segurança, um conceito difuso, causa tanta ou mais ansiedade do que a guerra. A polaridade não é mais territorial nem política, mas antes psicológica, filosófica e étnica. De certo modo recuou-se para o tempo em que todos os alvos são legítimos, todos os métodos válidos, todas as brutalidades justificadas. Voltaram as tribos, os clãs, as etnias as fidelidades de sangue, os fins que justificam os meios.
O 9/11, em si tão mínimo - destruição de dez hectares de tecido urbano com "poucos" milhares de baixas – provocou uma série de reacções em cascata, num efeito borboleta com perturbações directas e indirectas. Do ataque às torres gémeas resultou a Guerra do Afeganistão (que ainda dura, 16 anos depois, e já é a mais longa guerra dos Estados Unidos), duas guerras no Iraque, as perturbações intermináveis em vários países islâmicos –começando com a revolução na Tunísia, passando pela guerra civil na Líbia e continuando ainda no Iémen e no Iraque, entre outros países em desestabilização permanente. A mudança no xadrez internacional permitiu a consolidação da Rússia neoconservadora, a ascensão de várias tendências nacionalistas em países europeus, americanos e asiáticos; novas autocracias e ditaduras, velhas perseguições e limpezas étnicas. As lideranças mundiais, que até ao final do século passado se colocavam nitidamente em dois campos (três, se se considerar os “não-alinhados”) lutam agora para inventar políticas que façam sentido numa multitude de alianças e inimizades, sem saberem muito bem onde se colocar.
Há quem pretenda que a luta seja entre o globalismo e o nacionalismo, ou entre o imperialismo e o populismo, ou ainda o islamismo contra o cristianismo. Mas também há quem pense que estas divisões são artificiais, ou redutoras. Há monarquias social-democratas (Suécia) e comunistas (Coreia do Norte), repúblicas aristocráticas (França) e fascistas (Filipinas), e combinações de regimes que desafiam a imaginação. Um exemplo desta cacofonia é a situação nas guerras que grassam no Iraque e Síria, onde várias alianças lutam contra outras alianças, sendo que inimigos numas são aliados noutras.
Na comunicação electrónica, que permite conversas e discussões através do globo em tempo real, encontramos indivíduos que procuram desesperadamente explicar a nova situação com fórmulas ultrapassadas e pessoas que a querem modificar com propostas delirantes. Toda a gente discute com toda a gente e ninguém se entende.
As verdades absolutas, tão consoladoras antes de 11 de Setembro de 2001, tornaram-se propostas relativas que levam ao desânimo, à confusão, ou a um desinteresse tão perigoso como o facciosismo.
Sempre houve uma “ordem mundial” – várias ordens mundiais em diferentes épocas, algumas péssimas, outras palatáveis; neste momento reina a desordem, em que tudo é possível. O mundo mudou nestes 16 anos. Se está a caminho do Nirvana ou do Caos, ninguém sabe; as opiniões divergem. Como chamar a esta Época?
Na foto em destaque neste artigo, alunos do ensino secundário desenham as Torres Gémeas e escrevem mensagens no passeio em frente à escola que frequentam em Nova Iorque. 11 de setembro de 2017. Fonte: AFP
Comentários