Junqueras, para fazer campanha, recorre a proibidas entrevistas radiofónicas, valendo-se do expediente da chamada para um amigo. Puigdemont intervém em todos os comícios da sua lista Junts per Catalunya através de um ecrã que o põe em direto de Bruxelas com o palco e a plateia em sucessivos lugares da Catalunha. O número 2 de Puigdemont, Jordi Sànchez, está na cadeia.

Não há memória de coisa assim, espanto ainda maior quando a eleição acontece num país do continente que se auto-proclama com orgulho como campeão da democracia e da tolerância. Tudo é insólito em volta da eleição desta quinta-feira na Catalunha.

Na aparência, o que está no programa é a escolha de deputados, a partir de todas as listas partidárias, da qual deve resultar um parlamento e um governo. Mas, de facto, estamos perante uma consulta que é mais um referendo do que uma eleição.

Questões básicas numa campanha eleitoral, como programas políticas para desenvolvimento, educação, saúde ou economia, quase não são discutidas. A Catalunha está com as suas principais instituições congeladas, mas também não discutem como voltar à normalidade. O que aparece no centro do confronto é ver quem tem mais peso: os independentistas ou os espanholistas constitucionalistas.

O que é de facto mais necessário na Catalunha é a recuperação da concórdia social e da boa convivência, a pacificação da cena política, a harmonização da razão com o sentimento e a recomposição do tecido económico.

Há um dado estranho: na rua, sente-se pouco a campanha. Até parece que o independentismo está a preferir não dramatizar esta campanha para assim evitar a mobilização da parte espanholista, que se apresenta como a constitucionalista. No entanto, os estudos sobre intenções de voto sugerem que a participação pode atingir espantosos 80% do eleitorado catalão. A forte afluência pode trazer o desempate entre os dois blocos igualados: os independentistas e os constitucionalistas-espanholistas.

As sondagens estão proibidas nestes derradeiros dias de campanha, mas todos os dias há estudos de opinião divulgados com recurso à publicação em território estrangeiro, no caso, Andorra – prática que também já funcionou em Portugal nos anos a seguir à revolução do 25 de Abril.

O cenário catalão segue carregado de incógnitas. Há alguma especulação sobre um golpe de última hora que seria Carles Puigdemont sair do auto-exílio e aparecer na Catalunha para votar. É improvável que venha a acontecer, mas não é de excluir a possibilidade que tenderia a favorecer o pleno independentista – embora a polícia espanhola esteja híper-focada nas fronteiras, designadamente a marítima, para travar este cenário.

Será que o líder socialista catalão, Miguel Iceta, consegue convencer com o seu posicionamento conciliador entre os dois blocos? O indulto que propõe para os independentistas é um desafio com efeito por avaliar.

Que resultado pode ter o carisma da tribuna Inês Arrimadas, número um do partido Ciutadans? Ela pode conseguir colocar a sua lista como a mais votada – embora sem conseguir o maior número de deputados.

No bloco independentista, com muitas fricções internas, há um duelo pela hegemonia do independentismo entre a Esquerra Republicana (de Junqueras) e a coligação Junts per Catalunya (de Puigdemont). No entanto, o que mais mobiliza estas forças é dar força ao voto independentista.

A questão de saber quantos votos e deputados vai ter cada partido não é, nestas eleições, a mais substancial. O que mais conta é ganhar o referendo entre Espanha e a independência. Tudo se encaminha para nada ficar resolvido nas eleições desta quinta-feira.

TAMBÉM A TER EM CONTA:  

O acesso à internet igual para todos estará em perigo no futuro próximo? O que está em causa neste tema que irrompe na atualidade.

Nobel da Paz acusada de genocídio?

“Vergonha!”. A imagem de migrantes (de facto: refugiados) que caminham sobre a neve dos Alpes, entre Itália e França, numa odisseia pelas montanhas em busca de um lugar de esperança leva o Libération a exclamar  "Honte!" (Vergonha). Sucedem-se os casos de hipotermia e até amputações. A questão dos migrantes ou refugiados continua a precisar de ser tratada. Como também se vê na Andaluzia.