Temos de entender que, em sociedade, não nos representamos apenas a nós próprios. Não chega cada um de nós lutar apenas pela sua própria identidade. Não chega lutarmos pela inclusão, excluindo.
Os resultados destas legislativas, a meu ver, foram marcados pelo medo.
A percepção de que a CDU e o Bloco foram os responsáveis pela crise política nacional funcionou: a CDU e o Bloco perderam juntos cerca de 350 mil votos que foram direitinhos para as mãos do PS. Não acredito que tenham sido os responsáveis pela crise política, mas acredito que - ainda assim - há uma reflexão a fazer.
Tudo o que não queria ouvir nos discursos de esquerda neste momento era, de novo, o único foco de termos de combater os movimentos da extrema-direita que estão a crescer. Se é importante combater esses movimentos? Claro que é. A questão não é SE combatemos, mas COMO combatemos. Não acredito que iremos conseguir combater fazendo aquilo que já se tem vindo a fazer - sem resultados.
Acredito que, num país como Portugal, a maioria das pessoas que vota numa extrema-direita não é fascista. É, acima de tudo, pobre. E tem medo. Mas está a eleger fascistas, e isso é um problema grave.
Claro que também existem fascistas, mas existe muito mais medo. Medo que, com o surgimento de novos actores políticos (os migrantes, a comunidade LGBTQIA+, o movimento pela justiça climática, anti-racismo, etc.), a sua classe (pobre, com falta de soluções e esperança) não seja ouvida pela esquerda que sempre os representou.
Claro que também existem racistas, homofóbicos, e xenófobos… mas quantos deles é que não o são, por uma relação de classe? “Os ciganos têm estes apoios e nós nada”, “Os transexuais têm X apoio na saúde e nós nada”, “Vão fechar postos de trabalho pela justiça climática, e depois?”. Medo.
E quando falo de classe e de pobreza, não são os mais pobres de todos. Os mais pobres são inevitavelmente alguns dos grupos mais discriminados e esses são “atacados” pelos discursos destes movimentos - “dividir para governar”, onde é que já ouviram esta estratégia? Falo da franja de população que é pobre, classe operária, mas que por ter conseguido um bocadinho mais na sua geração, acha que já se “safou” e não irá ser afectada pelas políticas económicas de direita. Existe uma constante arrogância do pobre em relação à sua própria classe, um certo repúdio, para se tentar encaixar numa ideia de superioridade.
Esta franja de população: a classe operária, que tem antipatia com a sua própria gente, está frustrada com “o Estado” porque quer (e merece) mais direitos e apoios enquanto trabalhadores, quer inevitavelmente pertencer a uma classe superior (leia-se ‘melhorar a sua qualidade de vida’), e ouve discursos a desviar a atenção e culpar certos grupos (mais pobres que eles) por terem o apoio A ou B que eles não têm… é uma grande franja da população portuguesa.
Estas pessoas são movidas pelo medo. O medo que um apoio ao vizinho signifique menos apoios na sua casa, o medo que “as novas bandeiras” abafem a sua opressão, o medo de se tornarem invisíveis nestas novas agendas políticas, o medo que ninguém fale para eles (ou por eles).
E a esperança é a única coisa mais forte que o medo.
O discurso de soluções, um discurso de união, um discurso de “o teu irmão não é teu inimigo”, a noção de que a classe operária é - muito provavelmente - a classe mais transversal a todas as lutas por direitos humanos, uma ideia de caminho, de futuro.
Enquanto esquerda, precisamos de nos voltar para as nossas pessoas - o povo. Este povo complexo, que não cumpre toda a nossa ideologia de A a Z porque não tem o nosso privilégio de poder reflectir muito sobre ela, que tem dois trabalhos para conseguir quebrar um ciclo de pobreza na sua classe operária, que se sente invisível, mas que está cheio de tão boa e bonita gente. Um povo que não é egoísta por natureza mas que, neste momento, tem muito mais medo que esperança.
Temos pressa, muita pressa, e bem, mas não podemos deixar ninguém para trás.
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