1. «Ecspo»
O nome é demasiado artificial, um mero pedaço de palavra sem grande sabor — pedaço de palavra que nós, há 20 anos, nem sequer sabíamos como pronunciar. Havia o clube da «Ecspo» e o clube da «Eispo» — entretanto, este último acabou por ganhar.
Apareceu então o nome «Parque das Nações» — mas o nome «Expo» recusou-se a morrer, qual Terreiro do Paço dos tempos modernos (Terreiro que já é Praça do Comércio há séculos sem que tal se note na língua real dos lisboetas). Hoje, enfim, a língua lá foi arrumando como pôde as palavras e a Expo será o espaço da exposição, enquanto o Parque das Nações será toda a área que vai do Trancão até à rotunda onde termina, a sul, a «Zona de Intervenção da Expo». E que delícia encontrar ainda, em certas placas perdidas por aquelas zonas, o símbolo da Expo ainda impresso em placas que por ali sobrevivem há duas décadas...
Com o tempo, a memória faz milagres: o nome da Expo continua a não ser uma delícia, mas a sua evocação lembra-nos bebés a nadar no mar, a música do genérico da exposição, o logótipo azul ondulado — e lembra-nos as nossas vidas de há 20 anos... Olhamos para aquelas imagens e pensamos como éramos ingénuos — e que estranhas roupas vestíamos!
Ingénuos não éramos, mas a roupa, sim, era um horror — mas não julgue o leitor que hoje estamos muito melhor. Pergunte a si próprio, daqui a 20 anos, o que acha da roupa de 2018 e verá a resposta...
2. Pala
A cerimónia de abertura foi um espectáculo debaixo da pala que não deixou grandes memórias — se bem se lembram (eu não me lembrava), foi apresentada por Carlos Cruz e Júlia Pinheiro. Houve pianos, cantorias, os inevitáveis Madredeus. Houve um problema qualquer no som. O mundo pulou e avançou. No dia a seguir, a exposição abriu ao público – e não aconteceu nada. Ou melhor: a Expo estava feita dentro do prazo, não houve atrasos que se vissem, tudo correra bem e o público lá começou a aparecer, devagarinho (no início, foi mesmo muito devagarinho) para ver como era aquela amostra de mundo reconstruído em pavilhões à beira do Tejo.
Mas voltemos ao espectáculo de abertura: lembro-me de reparar que, debaixo da pala, estavam os governos de Portugal e Espanha, o Rei desta última, o Presidente aqui do burgo e mais uns quantos dignatários dos dois Estados ibéricos. Pensei: se aquela pala cai, nem com uma invasão espanhola nos governamos (as coisas que uma cabeça de 18 anos pensa...).
A pala não caiu e ainda por lá está, com mais ou menos tendas eurovisivas. Já começa a ter o seu ar sério de monumento doutros séculos — o que não deixa de ser verdade. Só tenho pena de não poder voltar a entrar no Pavilhão de Portugal e sentir aquela excitação de quem visita a Expo pela primeira vez e, depois de duas horas numa bicha, vê um filme como este:
EXPO 98, A Viagem | Animação 3D from INIZIOMEDIA on Vimeo.
3. Pavilhão
O nosso grande Pavilhão, aquele grande bicho-de-conta à beira-Tejo, tem um problema — muda de nome demasiadas vezes. Já lhes perdi a conta. Não importa: continuará a ser o Pavilhão Atlântico durante muitos e bons anos, mesmo quando já for na sua 20.ª encarnação como [se quiser o nome da sua empresa neste espaço, contacte-nos] Arena.
Não interessará muito, mas a memória é uma caixa cheia de quinquilharia... Lembro-me que estava dentro desse pavilhão, quando ainda se chamava «da Utopia», enquanto decorria a Final do Mundial de 1998 (o último mundial em que não participámos). Os meus vizinhos de fila telefonavam baixinho a amigos (já havia telemóveis, mas sem acesso à internet) para saber o resultado do jogo. O Brasil foi despedaçado pela França, com o Ronaldo lá deles a comportar-se de forma atípica.
Curiosamente, soubemos esta semana que, segundo Platini, houve por ali umas tramóias para assegurar que o Brasil e a França só se encontrariam na final — talvez um dia o mesmo Platini conte o que aconteceu ao pobre Ronaldo.
4. Teleférico
O teleférico de Lisboa tem o seu quê de perverso. Pois o que dizer dum meio de transporte próprio de grandes alturas, que lembra as montanhas das suíças deste mundo — e que, nesta cidade às ondas, sempre a descer e a subir, famosa pelas suas mais do que sete colinas, foi plantado precisamente no ponto onde a cidade é tão plana que chateia? Um teleférico que parece não levar a lado algum, ali às voltas para mostrar o Tejo a quem gosta de ficar pendurado. E, no entanto, essa imagem das cabines penduradas para lá da pala, com a Ponte Vasco da Gama ao fundo, com o sol a bater no rio, tornou-se parte da Lisboa que todos temos na cabeça. Confesso: também eu já andei ali às voltas, a ver o sol a brilhar nas bandeiras do Rossio dos Olivais, e não dei por mal empregue o meu tempo.
5. Vulcões
Lisboa talvez seja a única cidade onde a palavra «vulcão» traz à memória água e muitas cores. Aqueles pequenos cones aquáticos são uma das delícias da cidade — e por ali já houve, em 20 anos, arrufos e pazes de namorados, gente a passear sozinha, leituras ao fim da tarde, beijos e paixões despudoradas, pais que descobrem o primeiro riso dos filhos, assaltos e más notícias, turmas de miúdos saídas do Oceanário, casais antigos a descansar à sombra...
Em 20 anos, já vivemos tanto nestas ruas inventadas!
Marco Neves | Tradutor e professor. Autor do livro A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa. Escreve no blogue Certas Palavras.
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