Elizabeth Truss mostrou como ministra dos Estrangeiros do governo britânico que está à cabeça dos falcões no posicionamento político contra Moscovo e Pequim. Mas Liz, como é conhecida, ao longo dos 47 anos de vida tem um percurso com muito virar de casaca política e ideológica.

Esta mulher que agora se impõe como herdeira política da dama de ferro Margareth Thatcher, quando miúda pedia aos pais, militantes da ala esquerda do partido Trabalhista, para a levarem com eles às manifestações antinucleares. Nascida em 1975, época de pico da Guerra Fria, Liz foi assídua nos sit-ins dos movimentos pacifistas dos anos 80. Enquanto adolescente preferia o ativismo no movimento britânico a favor do desarmamento nuclear às aulas de ballet para onde foi encaminhada pela mãe.

Em 1995, o mundo soviético já estava estilhaçado e a Guerra Fria parecia terminada. Liz, com 19 anos, estudante universitária em Oxford, escolheu passar do internacionalismo ao ativismo interno no Reino Unido: alinhou com o movimento que reclamava a abolição da monarquia britânica. Quando Diana morreu, em agosto de 97, Liz foi para a frente do palácio de Buckingham gritar que a família real, sem qualquer gesto de afeto pela princesa falecida, não representava o sentimento do povo britânico.

Na universidade, em Oxford, Liz foi presidente da associação de estudantes do partido Liberal-democrata. Logo após a conclusão da licenciatura foi trabalhar para um colosso da energia (Shell) e, a seguir, para um outro das telecomunicações (Cable & Wireless). Quando começou a trabalhar transitou do partido Liberal Democrata para o Conservador.

Sobre o Brexit, Liz Truss também mudou de campo. Na campanha para o referendo de 2016 ela foi ativíssima a defender a continuidade do Reino Unido na União Europeia. Agora posiciona-se na linha dura contra a Comissão Europeia.

Há quem veja na inconstância ideológica de Liz Truss um mero oportunismo com o objetivo de chegar ao topo. É um facto que agora soube fazer da lealdade um trunfo para conquistar o cargo de primeira-ministra: ela permaneceu sempre fiel ao primeiro-ministro cessante, Boris Johnson, enquanto o rival Rishi Sunak aparece como o traidor que conspirou e “apunhalou o líder pelas costas” (ataques pelo partygate) com a ambição de tomar o lugar dele.

Há quase unanimidade entre os analistas políticos britânicos no reconhecimento de que Liz Truss gosta de arriscar, é ousada e tem apurado instinto político. Tanto que conseguiu chegar onde queria – conforme a tradição, num exercício de duvidosa democraticidade: torna-se primeira-ministra por ter sido votada por 81.326 dos apenas 200 mil militantes do partido Conservador.

Ela percebeu que o partido funciona como uma tribo onde há muita nostalgia da dama de ferro. Liz escolheu esse modelo Thatcher para se impor como líder do partido Conservador. Levou o detalhe no mimetismo a usar roupas e penteados idênticos aos usados por Margareth Thatcher. Também recorreu na campanha à muito polarizadora receita da primeira mulher líder do governo britânico: promessa de baixa de impostos e discurso de grande dureza em direção aos sindicatos.

Liz Truss apresenta-se herdeira política de Thatcher mas a herança económica e social que recebe do antecessor, Boris Johnson, de quem foi ministra dos Estrangeiros, é um susto.

O cenário é explosivo: a inflação não para de subir e os analistas da Goldman Sachs prognosticam que suba dos atuais 10% para à volta de 22% no final do ano. A fatura da energia está com agravamentos dramáticos que ameaçam as pessoas, as escolas, os hospitais, a indústria e toda a economia. Casais com casa e rendimentos modestos estão a receber faturas de energia que correspondem a 400 euros por mês.
Multiplicam-se greves no Reino Unido: nos transportes, nos correios, na justiça, na saúde.

O estado do NHS, o serviço britânico de saúde é tão crítico que até faz parecer que o SNS português passa bem: há sete milhões de utentes em lista de espera para cirurgias; repetem-se queixas de pessoas que precisam de ambulância e chegam a esperar mais de 16 horas; muitas consultas médicas estão a ser transferidas para a plataforma digital Zoom e acumulam-se queixas de insuficiências nos diagnósticos; está a dar escândalo o caso de um médico que propôs a uma senhora que lhe enviasse por WhatsApp uma selfie com o marido defunto para ele confirmar que o senhor já estava cadáver; os hospitais estão a rebentar pelas costuras e muitas instalações estão muito deterioradas. Os médicos e enfermeiros formados em Portugal são muitas vezes apontados como virtudes do NHS.

Um caso na semana passada deixou de rastos o orgulho da Royal Navy: o novíssimo porta-aviões HMS Prince of Wales que, com 280 metros de comprimento e 70 de largura, custou 3.000 milhões de libras, um dia depois de zarpar em 25 de agosto, de Southampton para quatro meses de viagem inaugural teve grave avaria mecânica que o vai reter por tempo indeterminado em reparação, de volta à doca seca.

Liz Truss tem astúcia política. Vai tratar de tentar colocar-se no pódio das democracias ocidentais. Apesar de guerreira “até à vitória final” ao lado da Ucrânia, não é de esperar que tenha muita sintonia com os líderes europeus. Está para se ver como vai ser a relação com Washington – ela preferiria que na Casa Branca estivesse um republicano.

Em Londres, o antecessor Boris Johnson terminou o discurso de despedida com uma citação de Arnold Schwarzenegger no filme Terminator 2: Hasta la vista, baby. Há quem antecipe que Liz Truss nunca repetirá os deslizes de Boris Johnson mas não tem sequer uma ínfima parte do carisma dele.

A liderança dela vai ser testada num tempo de crise como o Reino Unido não enfrentava há décadas.

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