A violação coletiva aconteceu na quinta-feira, 7 de julho de 2016, dia da primeira das oito largadas de seis touros bravos ao longo de 875 metros de ruas estreitas na capital navarra. A manada de touros mandou 10 feridos para a ambulância - o risco de cornada faz parte do jogo do San Fermín, que também seduziu Hemingway. Uma manada de cinco homens, andaluzes corpulentos, todos de Sevilha, com idade entre os 26 e os 29 anos – manada, porque é assim, com esse código gregário, que eles se apresentam no grupo da WhatsApp – encurralou uma mulher, puxou-a para um pátio e com asquerosa violência machista, violou-a. Um dos violadores da manada usou o telemóvel para filmar a violação em grupo. Este grupo da manada mostrou que em animalidade não se pode esperar mais dos homens que dos touros.
A vítima, violada, é uma mulher de 18 anos. Oficialmente adulta. Com corpo de mulher feita mas o rosto a deixar ver ainda a adolescência. Ao fim da tarde daquela quinta-feira no verão de há dois anos, parou numa esplanada da plaza del Castillo, onde bebeu um copo de sangria e comeu duas tapas. Quando se levantou, foi abordada com sorrisos pelos cinco da manada. Um deles tinha no braço uma tatuagem que reza assim: “El poder del lobo reside en la manada”. Convidaram-na para qualquer coisa, ela respondeu que estava cansada e ia descansar. Mas deixou-se ir a conversar, tinha simpatizado com um deles. Começaram juntos o caminho na praça cheia de gente. Duas esquinas depois, a multidão já ficava longe. Ao passarem por um beco, os cinco tornaram-se bruscos e violentos. Taparam-lhe a boca para que não gritasse e tiraram-lhe o telemóvel. O relatório da polícia atesta que a vítima “foi submetida a 11 penetrações carnais por via vaginal e bucal”. Foi violada pelas cinco asquerosas criaturas da manada. Um deles, filmou uma parte da violação e teve o descaramento de publicar logo nas redes o que assumiu como façanha. A vítima, deitada no chão, a chorar, no lugar onde tinha sido violada, foi encontrada por uma agente de uma patrulha da polícia. Primeiras palavras da vítima, foram para um pedido: “Não me deixes sozinha, por favor”. Ela teve coragem para ser capaz de contar tudo. As câmaras de vigilância nas ruas ajudaram à rápida identificação do quinteto de bestas. Todos foram detidos no dia seguinte. Um deles é militar e outro é polícia.
O processo deste caso chegou a julgamento, num tribunal de Navarra. O coletivo de juízes decidiu entender que não houve violação, como pretende a acusação pública, que pede a exemplar pena de 22 anos de prisão para cada um dos violadores. O tribunal decidiu apenas nove anos de prisão pelo crime de abuso sexual. A legislação espanhola define como abuso sexual a penetração em que não há intimidação e abuso. Um dos juízes neste tribunal tratou de argumentar que no vídeo não se vê a vítima a lutar para resistir. A procuradora que conduz a acusação contrapõe: “Alguém acredita que ela poderia resistir sem que lhe fizessem mais mal?”. Acrescentou que a superioridade física de cinco homens corpulentos tem obviamente o carácter intimidatório que os juízes dizem não encontrar.
Fica evidente que alguns juízes, ao pronunciarem sentença, condenam-se a eles próprios. É o caso destes juízes de Navarra. Devem ter a mesma cultura autoritária que a dupla de juízes Lamela e Llarena, do Supremo Tribunal, em Madrid, que não tem dúvidas em considerar a ambição de independência de políticos catalães como ação “violenta de golpe de Estado”. A prisão preventiva para esses políticos catalães já vai em seis meses. Os violadores de Pamplona, poderão sair em liberdade daqui por seis meses, por já terem cumprido um quarto da pena – a menos que o recurso venha a agravar a qualificação do crime e sentença.
A justiça espanhola mostra passar por mentalidades que degradam, humilham e ofendem. Felizmente, as pessoas estão a reagir e a levantar a sua indignação.
É suposto a justiça ser o espelho de uma sociedade. Este lado desgraçado da justiça não será o espelho de uma Espanha que recusa retroceder – embora muito fraturada sobre a questão catalã, sempre em impasse.
Vale ver e ouvir o comentário “A Espanha sórdida”, por Enric Juliana, diretor-adjunto do diário La Vanguardia.
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