A frase do título não é minha, mas encaixa que nem uma luva no texto de opinião que tinha planeado escrever esta semana e significa exactamente o que penso. Apropriei-me, por isso, da resposta de Margarida Bentes Penedo quando lhe perguntei em que pé fica a Europa com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos.

Na terça-feira, os piores receios de uma boa parte do mundo confirmaram-se e, em Janeiro, Trump vai instalar-se na Casa Branca. Pela segunda vez. Foi assim que os americanos quiseram e a democracia não pode ser boa só quando o resultado é o que nós queremos.

Nos últimos tempos de campanha, pelo sim, pelo não, os líderes europeus não disseram muita coisa (não fosse o diabo tecê-las), mas desde quarta-feira as saudações ao vencedor começaram a chegar.

O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, já veio dizer que está "ansioso" por trabalhar com Donald Trump, que "estimulou a Europa" a gastar mais em defesa, e também a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, felicitou o candidato - noblesse oblige - e mostrou-se disponível para trabalhar com a nova administração americana.

Mas o que Trump quer não é diplomacia, é que a União Europeia pague a sua parte da factura. Coisa que os Estados Unidos vêm reclamando há muito, com ou sem Trump. A maioria dos países membros da NATO, incluindo Portugal, não cumpre o objectivo de 2% do Orçamento para despesa militar, como ficou acordado na Cimeira de Gales, em 2014. Só que, nessa altura, a NATO estava mais ou menos moribunda, e ninguém ligou.

Entretanto, a Rússia invadiu a Ucrânia e a capacidade de defesa do Ocidente voltou a ser posta em causa. Depois, o conflito estalou no Médio Oriente e os Estados Unidos tiveram de se dividir. Isto tudo numa altura em que a economia do país não está brilhante.

O que a União Europeia quer é o melhor de dois mundos, emitir despesa e pedir a outros que paguem a conta. E, já que estou a maré de apropriações, como diz o economista João Duque, se é este o modelo que queremos, temos de o pagar. E não estamos a fazê-lo. É claro que deve existir solidariedade, mas há um limite para tudo.

Por isso, quando esta semana ouvi o ex-ministro da Defesa Nacional (e dos Negócios Estrangeiros) João Gomes Cravinho dizer na Antena 1 que a NATO "está ameaçada" e que "deixámos de ter uma aliado na Casa Branca", fiquei surpreendida. Porque me parece extraordinário que alguém ache estranho que os Estados Unidos queiram que a UE assuma a sua quota-parte, coisa que não faz há décadas. Ele próprio, enquanto ministro, admitiu que Portugal, e os restantes país europeus, teria de repensar o investimento militar. Como também o assumiu o actual ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo. Mas ninguém o fez.

Com sede em Bruxelas, a NATO tem 32 membros após sucessivos alargamentos, a última adesão, da Suécia, aconteceu já este ano. A despesa da organização em defesa é da ordem dos 1,5 biliões e são os EUA que pagam a fatia de leão, embora as últimas estimativas apontem para que 23 países passem a cumprir o objectivo este ano, contra três países há apenas dez anos.

Mas o número de desafios a nível mundial não pára de aumentar e a despesa na defesa também não. Como avançou Mark Rutte, temos "uma Rússia mais agressiva, o terrorismo, a competição estratégica com a China, o alinhamento cada vez maior entre a China, a Rússia, a Coreia do Norte e o Irão", e ainda a missa não vai a metade.

Por isso sim, é legítimo - embora triste e esperemos que não chegue aí -, que Trump venha dizer de forma mais histriónica que a Europa tem de pagar 100% da guerra na Ucrânia e a sua parte na NATO. Aliás, o próprio Tratado, no Artigo 3.º, diz que, para atingir mais eficazmente os objectivos, os países devem manter e desenvolver de forma contínua, pelos seus meios e mediante mútuo auxílio, a sua capacidade individual para resistir a um ataque armado.

E é por isto, e não só, que a Europa tem de ser pôr esperta. Tem de se organizar, perceber que não pode ir a todas e escolher as suas prioridades. E a defesa e segurança, como a economia, deviam estar à cabeça. Mas não é para pensar, é para fazer. E já vai tarde.

Não vale a pena pensar que há dinheiro para tudo, porque não há. A União Europeia não tem condições para substituir os Estados Unidos em termos financeiros, em termos militares ainda menos - e em 2028 vai ter de começar a pagar o empréstimo de mais de 800 mil milhões, uma dívida que contraiu para transformar as economias dos seus Estados-membros, para criar oportunidades e empregos na Europa (meu Deus, o PRR, que desperdício!).

Tudo coisas que, obviamente, não está a fazer, porque, como disse ao Sapo 24 a vice-governadora do Banco de Portugal, Clara Raposo, "a poupança dos europeus (que são mais ricos quando comparados com o resto do mundo) continua a sair para investir nos Estados Unidos e fazer aí crescer os negócios, em vez de os cultivar e desenvolver na Europa, o que pode não ser uma estratégia de futuro".

Sabemos - e aqui vai a terceira apropriação -, que o problema do declínio económico da UE é independente dos Estados Unidos, é um declínio tecnológico, uma perda de competitividade acentuada, um certo autismo em relação ao mundo em que vive. Mas, "a União Europeia tem uma enorme dificuldade em lidar com a realidade", como diz António Goucha Soares, do IPRI - Instituto Português de Relações Internacionais. E, se não quer entrar numa crise trágica, vai ter de parar de assobiar para o lado.