A minha sobrinha do coração estava na Polónia quando a Rússia começou a instalar-se na fronteira com a Ucrânia. Regressou a Portugal na segunda-feira. É estudante de Direito e estava na universidade a cumprir mais um semestre. Uma experiência no estrangeiro é sempre saudável, mesmo que o país de eleição esteja ao nível do congelador nesta altura do ano. Queixou-se muito do frio, constipou-se várias vezes, mas a verdade é que adorou a experiência. As últimas semanas foram difíceis, mais tensas. As saudades apertaram e o medo também. Uma jovem, e talvez não tenhamos a noção, pode sentir que a sua vida corre o risco de ser alterada radicalmente, caso a situação na Ucrânia se transforme. É portuguesa, não tem importância? Só um tolo pode pensar assim.
A minha sobrinha, que não deve nada à ignorância e que é uma jovem mulher interessada no mundo e na política, não é capaz de entender que a iminência de uma invasão russa deixe indiferente muitos de nós. Os Estados Unidos enviaram três mil soldados para a Polónia. Todos os dias esta jovem, a par de tantas outras pessoas, tem lido sobre a possibilidade de conflito armado, as estimativas que apontam para cerca de dois milhões de refugiados e o desastre económico que afectará, não apenas a Ucrânia, mas toda a Europa.
Já se sabe que o contrário da palavra Paz, o antónimo, é Guerra e que nunca vivemos sem ela. Também sabemos que é um negócio de muitos milhões de euros, servindo os interesses de várias empresas de armamento de diferentes proveniências. A Europa diz que não enviará material bélico para a Ucrânia, em caso de invasão russa, e acena com “sanções duras”. Pelo menos nas palavras do chanceler alemão, que está em missão diplomática para evitar confrontos. Disse Olaf Sholz: “Se houver uma agressão militar contra a Ucrânia, que poria em risco a sua soberania e integridade territorial, isso levará a duras sanções, que preparamos cuidadosamente e que podemos pôr em prática imediatamente, com os nossos aliados na Europa e no seio da NATO”. As sanções duras justificam-se, mas não vale a pena criar ilusões, terão um impacto enorme na vida de todos nós.
Sei que estão 130 mil soldados russos à espera do sinal de Putin, estacionados na fronteira, como já estiveram em 2014. O memorando de Budapeste de 1994, no qual a Rússia garantia a soberania da Ucrânia, é como se não existisse. Os EUA e a Grã-Bretanha, no tempo de Bush e de Major, também tinham garantido que a NATO não iria ter expansões. Sobre a Crimeia pouco se fala. Há mentiras e hipocrisia a todos os níveis.
E quem não tem ideia de quem Putin é, aconselho a ver o documentário/entrevista em vários episódios, realizado por Oliver Stone. Putin quer a União Soviética. Não quer ser apenas russo. Os oligarcas e afins, com filhos e casas no Ocidente, já fizeram as malas e estão a regressar a casa.
Leio na imprensa que há denúncias de envio de material para a Rússia que permite a construção de armas. A Ucrânia acusa a Alemanha de hipocrisia.
O timing não é ideal: a Alemanha (o mundo!) despediu-se de 16 anos de Angela Merkel, tem um novo chanceler; a França vai para eleições; a pandemia transformou as nossas vidas; o presidente eleito ucraniano não tem uma vasta experiência política, era um actor de televisão a representar numa série na qual fazia de presidente. Sim, há este aspecto hilariante e podemos sorrir, porém o sorriso, no meu caso, é bastante amarelo.
E assim vai o mundo num jogo que ameaça a vida de milhares de pessoas e que assusta os mais novos. A minha sobrinha colecciona informação e receia um conflito. Deveríamos todos ter medo, muito medo.
P.S.: Putin mandou dizer que mandou retirar as tropas de “algumas zonas da fronteira com a Ucrânia”. Fiquei presa em “algumas”.
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