Quando os números finais apareceram, os títulos dos jornais - Áustria rejeita Presidente de extrema-direita, ou Áustria derrota extremistas - eram mais desejo do que facto. Na verdade, foram apenas 31 mil votos que deram a vitória a Alexander Van der Bellen, numa eleição onde 86% dos operários votaram no extremista Norbert Hofer, permitindo-lhe fracturar ainda mais o país com a ideia de que o povo está com ele, e as elites com o Presidente eleito. Quanto aos partidos clássicos, melhor nem falar…
Qualquer que seja o ponto de vista, o caso austríaco veio confirmar a fúria populista, xenófoba e anti-europeia que grassa por toda a Europa, numa vaga de fundo que contraria todos os pressupostos que nos trouxeram até aqui no projecto europeu (com excepção de Portugal e Espanha, que preferem a extrema-esquerda para abrigarem as suas indignações e revoltas…). É um momento triste e lamentável, o que vivemos, por mais que o possamos querer entender.
Não me parece que seja uma questão eminentemente política - mas antes, uma revelação da raça tal e qual ela é, quando se sente ameaçada ou acossada por algo cujos contornos desconhece. Pode ser a complexa questão dos refugiados ou a simples aritmética de uma Europa onde os países ricos contribuem para que os países pobres deixem de o ser. Tanto faz. A cultura do individualismo é mais forte do que qualquer boa vontade. A sociologia e a psicologia talvez expliquem melhor a evolução política na Europa, e o estado a que chegámos, do que propriamente a falência dos modelos dos partidos clássicos do centrão, ou o cansaço que todos sentimos de governações mal sucedidas, muitas vezes corruptas, quase sempre ineficazes face às promessas do costume.
No Portugal brando e tranquilo, onde a revolução maior é um Governo sustentado numa maioria parlamentar que se parece mais com uma gelatina do que com um bolo, o que se passa no resto da Europa parece interessar pouco. Mas sou obrigado a confessar: não fiquei nada aliviado com os resultados das eleições na Áustria. E apesar de ter nascido bem depois de 1945, já acreditei mais que os europeus tinham aprendido de vez a lição - e, podendo não saber o que queriam, sabiam claramente o que não queriam. Hoje, já não digo nada. Ou digo: aliviado, não estou.
Mais leituras para esta semana…
É o momento de ouro do humor no Brasil dos dias que correm. Já saltou fronteiras, de tal forma que um dos seus principais autores (e actor), está em Portugal, numa digressão de enorme sucesso por todo país (ver programa e datas aqui…). Mas para conhecer bem a fundo esta equipa da "Porta dos Fundos", nada como ir ao site oficial do grupo, e depois deixar deslizar o dedo pelos cliques nas dezenas de videos disponíveis no Youtube. Um deles, este, é tão actual que ficou a minha escolha desta semana…
O jornal digital Observador fez dois anos de vida e, numa manobra que alguns consideram genial, e outros uma espécie de rendição ao velho papel para efeitos de facturação, publicou uma edição impressa, de grande qualidade, muito bem desenhada por Jorge Silva. Quase todas as matérias constituem um "best of" do jornal, mas há alguns exclusivos (entretanto já disponibilizados online). De todos, destaco a excelente entrevista a Pedro J. Ramirez, o temido ex-director do espanhol El Mundo - e que, uma vez dispensado do cargo com uma indemnização milionária, decidiu investir todo esse dinheiro num novo jornal online, o El Español. Vale a pena ler a entrevista na íntegra.
O debate sobre o futuro da imprensa diária, em papel ou online, gratuita ou paga, não acaba. Tem já alguns dias aquela que considero talvez a melhor análise (e argumentação também…) sobre a matéria. Está assinada por Lydian Polgreen, editora do New York Times baseada em Joanesburgo, África do Sul, e pode ler-se aqui…
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