Quando perdemos algo ou alguém importante, precisamos de cuidar da dor trazida pela ausência, de sentir, de integrar o significado da perda e de nos ajustar à nova realidade – levar a cabo o processo de luto engloba estas tarefas psicológicas. Amplamente aceite perante a perda de entes queridos humanos, a necessidade de enlutar inerente à perda de animais é frequentemente incompreendida e desvalorizada. Este aspeto aumenta a vulnerabilidade ao fenómeno de “luto privado de direitos”, situação em que a pessoa sente a sua dor deslegitimada e enfrenta consequências interpessoais, como a falta de apoio social e a sensação de insegurança na partilha do seu sofrimento; bem como intrapessoais, como o questionamento da normalidade da sua reação e da própria saúde mental. É crucial contrariar esta tendência e legitimar o luto inerente à perda de animais, encarando-o com toda a seriedade.
Com efeito, os laços que se estabelecem com animais são muitas vezes tão profundos e significativos como os que se estabelecem com pessoas. São vários os fatores que contribuem para a superação da barreira entre espécies. Aspetos psicológicos incluem a dimensão do apoio social – a presença física e mesmo a memória de um animal querido podem reduzir sentimentos de solidão ou rejeição; e o seu caráter extremamente responsivo – os animais domésticos depreendem informação através das nossas reações, adaptando o seu comportamento. Biologicamente, a presença de um animal com quem se tem uma relação próxima pode moderar o ritmo cardíaco e a pressão sanguínea em situações de stress, bem como aumentar os níveis de oxitocina, uma hormona ligada ao vínculo afetivo característico da relação mãe-bebé. Esta dinâmica de cuidado e responsabilidade com aspetos de natureza parental reforça a profundidade emocional da ligação.
Não obstante os fatores de semelhança, importa reconhecer as particularidades do laço humano-animal, que influenciam naturalmente o luto. Além do caráter de aceitação incondicional, mais raro em relações humanas, destaca-se a natureza não verbal da relação e as assimetrias ao nível do ciclo de vida – o ritmo mais veloz da vida dos animais domésticos leva-nos a assistir muitas vezes ao envelhecer e perecer de companheiros que vimos crescer ou mesmo nascer. Ao nível das circunstâncias da perda destaca-se a situação de eutanásia, que pode proteger o animal de sofrer mas traz consigo vários desafios para o humano responsável por tomar a decisão.
São várias as implicações das semelhanças e diferenças do laço humano-animal para a experiência psicológica da perda. A conjugação entre a força do vínculo e as diferenças na natureza da relação podem conduzir a intensas reações à perda pautadas por alguns impasses no processo de luto. Alguns sinais de que existem obstáculos incluem: dificuldades prolongadas na aceitação da perda, revivendo constantemente o momento final ou, pelo contrário, procurando negar e evitar o tema da perda; dificuldades no processamento emocional, com intensas emoções que parecem não acalmar ao longo do tempo, como tristeza, angústia, zanga e culpa; perceção de incapacidade de superação, sentindo que nunca será capaz de ultrapassar a perda ou voltar a sentir felicidade. Impasses no processo de luto apresentam graves consequências para o bem-estar e saúde mental, tornando-se importante procurar ajuda. Deixamos-lhe alguns pontos em que o apoio psicológico pode ser útil perante dificuldades no processo de luto inerente à perda de animais.
- Aceitação intelectual e emocional na realidade da perda e processamento das emoções difíceis, identificando as principais emoções envolvidas e a sua forma de manifestação e encontrando formas seguras de experienciá-las em direção ao alívio. Destaca-se a gestão da culpa, que tende a desempenhar um papel central ao perder animais;
- Doseamento da exposição ao tema da perda, procurando um equilíbrio que permita avançar no processo de luto de forma sustentável, evitando a sobrecarga emocional;
- Gestão de ambientes sociais, identificando na rede de relações da pessoa aquelas que podem permitir estar com a dor em segurança e protegendo-se de ambientes pouco acolhedores que promovam a sensação de “luto privado de direitos”;
- Desenvolvimento de gestos memoriais e rituais de homenagem que colmatem a falta de rituais de luto socialmente prescritos para reconhecer a perda de animais de estimação;
- Readaptação ao ambiente após a perda, desenvolvendo um espaço interno em que a representação do animal possa permanecer. Esta tarefa pode ser desafiante por conta do caráter não verbal da relação, passando o apoio por ajudar a “dar voz” à representação interna do animal.
Este último item aponta para um aspeto importante mas pouco intuitivo acerca do luto: na verdade, é um processo que tem mais que ver com ligação do que com separação. Sendo um caminho muitas vezes longo e difícil, um primeiro passo importante pode ser reconhecer que “do outro lado” não está a total ausência ou o esquecimento – podemos manter os laços, mas precisamos de reformulá-los, torná-los internos.
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