Escrever desapaixonadamente sobre a vitória de Carlos Moedas não será uma missão fácil para mim. Desde o momento em que o antigo Comissário Europeu apresentou a candidatura que quis ir bater-lhe à porta e disponibilizar-me para ajudar como podia. Fi-lo porque acredito genuinamente que Portugal está perante um líder íntegro, capaz e reconhecido internacionalmente pelas suas qualidades. É uma combinação única que pode oferecer à nossa política uma lufada de ar fresco e um momento de afirmação da cidade de Lisboa no contexto internacional. Fi-lo porque as ideias de Carlos Moedas, de aproveitar as forças da livre iniciativa para construir um futuro com mais justiça social e mais qualidade de vida são ideias que partilho. E ao longo de sete meses fui ajudando no que conseguia para ajudar uma pessoa em que acredito, com ideias que partilho, a ser eleito Presidente da Câmara da minha cidade. Quando uma pessoa quer estar na política, acho que tem de ser assim, a defender sem rodeios aquilo em que acredita, sem deixar de respeitar quem faz o mesmo do outro lado. É uma maneira de estar muito característica de Carlos Moedas.
Rapidamente, depois de uma das vitórias políticas mais surpreendentes de que há memória, vimos cair uma chuva de avisos apocalípticos e de desvalorizações do feito. Afinal, Moedas tinha apenas retido os 80 mil votos dos partidos que representa, juntando-lhes apenas mais 3 mil eleitores. Ia destruir toda a política de mobilidade de Fernando Medina e voltar aos anos 90. Ia encher a cidade de trânsito e de nomes em estrangeiro. Ia fazer disto um paraíso para turistas e um inferno para lisboetas. Já perceberam a ironia disto ou não?
No esforço do desprezo e da demonização, faltou pensar duas vezes.
Primeiro, em 2017 PSD e CDS tinham lideranças mais populares em Lisboa e no País. Nas 4 sondagens feitas antes dessas autárquicas a nível nacional, os dois partidos valiam cerca de 40% das intenções de voto, contra os 26% atuais. Nas legislativas de 2015 os dois partidos tiveram 37,47% dos votos na cidade e em 2019 31%. E nessa altura o CDS ainda valia 6%, imagine-se atualmente. E entretanto, apareceram dois partidos de direita que tiveram 9% dos votos. Ou seja, Carlos Moedas não manteve nada, conquistou uma nova coligação para a direita em Lisboa. Conquistou este eleitorado com um trabalho de formiga, andando durante 7 meses pelas ruas de Lisboa, sem um programa de comentário fixo na televisão, sem os mesmos meios (como se notou pela discrepância em outdoors e pendantes pela cidade) e sem a mesma cobertura mediática (é daquelas coisas que se falaria mais na derrota, mas está por comentar o inenarrável que foi o maior comício de toda a campanha não ter tido cobertura televisiva).
Segundo, esqueceram que não estavam a defrontar um político como os outros. Esta campanha de esforço foi também uma campanha de moderação, simbolicamente representada pelo momento em que Fernando Medina insulta a mulher de Carlos Moedas no início de um debate e não recebe resposta na mesma moeda. Um momento de classe que é ilustrativo de 7 meses focados em duas coisas: competência e prepotência. A mensagem de Carlos Moedas para os lisboetas nunca foi de que tinha de se reverter tudo o que estava a ser feito (aliás, muito do que se propôs foi cumprir o que o PS prometeu em 2017 e não fez). Muito menos fez insinuações sobre a idoneidade e a vida pessoal de Fernando Medina ao nível das que foram feitas contra si, desde o dia em que anunciou a candidatura. A lógica era simples: Lisboa não é nenhum inferno, mas tem muitas zonas que ficam esquecidas e muitas promessas que ficam por cumprir, para além disso, 14 anos de poder não fazem bem a partido nenhum e criaram uma série de vícios no Partido Socialista que vão de licenciamentos urbanísticos duvidosos até incursões macabras por mercados de fruta. Moedas prometeu fazer melhor, acenando com um currículo com muitas provas dadas e prometeu uma gestão mais transparente e profissionalizada a uma Câmara Municipal onde mandar a morada de ativistas portugueses a regimes ditatoriais que tentam matar opositores é visto como um erro procedimental.
Não serão meses nem anos fáceis, repletos de compromissos com um executivo camarário que tem 3 vereadores de esquerda, que terão certamente pontos de convergência com um homem de consensos como é o novo Presidente da Câmara; 2 vereadores do Cidadãos por Lisboa, um movimento que nasceu com uma índole centrista e progressista e em princípio não terá dificuldade em encontrar consensos com alguém como Carlos Moedas; 1 vereador do Livre, partido que sempre disse pôr os interesses dos cidadãos acima de cálculos político-partidários; e 4 vereadores do PS, uma delas independente, que terão certamente todo o interesse em boicotar ao máximo a gestão camarária, porque ao contrário do PSD no mandato anterior, não veem a colaboração como o meio ideal para regressar a um poder que sentiam ser seu por direito.
Nesta geometria variável, o histórico de Carlos Moedas como negociador com a Troika em defesa dos interesses de Portugal e como Comissário Europeu que tinha de conversar constantemente com as mais diversas forças políticas será valioso. Tal como será, como tem sido ao longo de toda a sua carreira, o respeito pela divergência e a valorização das ideias dos outros que só podia resultar do facto de ser um dos mais destacados políticos de centro-direita do País e de ter sido criado por um dos mais destacados jornalistas comunistas do Alentejo.
É uma missão muito difícil, mas tal como provou ao ganhar a Câmara, Carlos Moedas não vira a cara a decisões difíceis.
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