Nos últimos doze meses as temperaturas globais mantiveram-se constantemente 1,5 °C acima do nível pré-industrial - o tal limite considerado fatal pelos Acordos de Paris, negociados por 196 países em 2015.
É o que nos diz o Serviço Copernicus de Mudança Climática o órgão europeu de pesquisa espacial que também que monitoriza estes dados. Mais precisamente, entre Julho de 2023 e Julho de 2024, as temperaturas estiveram 1,64 °C acima da média ocorrida entre 1850 e 1900.
“Mesmo que esta continuidade de temperaturas extremas baixe a certa altura, estamos a caminho de quebrar todos os recordes de aquecimento do clima. É inevitável, a não ser que deixemos de adicionar gases de estufa à atmosfera e aos oceanos”, afirma Carlo Buontempo, o diretor do serviço.
O processo é bem conhecido: os gases produzidos por instalações industriais, nomeadamente as alimentadas por carvão, e pelos veículos, sejam eles aviões ou carros, produzem moléculas que retêm o calor na atmosfera e provocam o aquecimento do clima. Quando mais quente for o planeta, mais dificuldade têm as pessoas e os ecossistemas de se adaptar.
Uma razão deste estado de coisas é a incompreensível estupidez dos humanos, que levaram a situação para o debate político: os decisores e cientistas de “direita”, assim como os grandes produtores petrolíferos, consideram que este alarme injustificado é uma “mania” dos cientistas de “esquerda”.
Outra razão é a atitude dos milionários produtores de produtos petrolíferos, que, enquanto prometem tomar medidas contra as mudanças climáticas, na realidade pouco ou nada fazem, porque se consideram imunes ao desastre.
A terceira razão é a das economias menos avançadas, que não podem suportar o acréscimo de custo da produção energética limpa e avaliam que essa limitação impede o seu crescimento.
Finalmente, as economias avançadas têm conseguido aumentar bastante a produção de energia “limpa”, mas também aumentam consideravelmente o seu consumo energético. Um caso paradigmático é o dos Estados Unidos, que este ano, pela primeira vez, produzem mais energia limpa do que “suja”, mas continuam a consumir mais do que a sua produção de petrolíferos.
Uma pesquisa conduzida pelo jornal “The Guardian” há dois meses, entre centenas de cientistas, mostra que neste século as temperaturas vão atingir 2,5 °C acima dos níveis pré-industriais, com consequências catastróficas para o planeta e os seus habitantes.
Quase 50% dos inquiridos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas vão ainda mais longe, prevendo um aumento de 3°C. O resultado será um futuro distópico, com fome, conflitos, migrações em massa, fogos imparáveis, inundações e tempestades ainda maiores do que as que já presenciamos.
Voltando à situação das economias menos avançadas, países da América Latina e dos Caraíbas estão precisamente a fazer o inverso do que deveria ser feito, argumentado, com razão, que a produção de carbonetos é indispensável para atingir os níveis de desenvolvimento dos países “ricos”.
Pelo menos 16 dos 33 países destas regiões estão envolvidos em cerca de 50 projectos de petróleo e gás, offshore e em terra.
Conforme o último relatório da Agência Internacional de Energia, a produção destes países, que foi de oito milhões de barris por dia em 2022, deve crescer dois milhões de barris diários destinados à exportação até 2030. Assim, países que não pertencem ao cartel da OPEC irão ter mais importância no mercado, com um papel determinante na geopolítica do petróleo/gás num futuro próximo.
É o caso da brasileira Petrobrás, que descobriu novas jazidas de petróleo nas águas profundas da costa atlântica. “Não vamos perder esta oportunidade de implementar a nossa economia”, afirmou Lula da Silva em junho, e ninguém pode realmente criticar esta vontade. Mas também novas descobertas foram feitas pela Argentina, Equador e México, Guiana e Suriname.
Um caso tristemente paradigmático é o da Guiana. Georgetown, a capital, é uma das cidades mais vulneráveis do mundo, situada dois metros abaixo do nível do mar e constantemente sujeita a inundação; só não desapareceu ainda porque tem um dique de protecção construido em 1860. Por outro lado, desde que a ExxonMobil começou a explorar petróleo em 2015, o GDP (Produto Interno Bruto) per capita do país passou de um dos mais baixos para um dos maiores do mundo. Em 2023 subiu 33% e espera-se que suba outros 34% este ano. Os ‘royalties’ do petróleo andarão pelos 2,42 mil milhões de dólares este ano e espera-se que cheguem a 7,5 mil milhões em 2040. Mesmo que a presumível e sempre inevitável corrupção absorva parte destes valores, não há dúvidas que o nível de vida dos seus 800.000 habitantes só pode melhorar.
A Argentina, agora dirigida por um negacionista das alterações climáticas, Xavier Miley, já tem propostas parlamentares para aproveitar poços de gás recém-descobertos na Patagónia, considerados dos maiores do mundo. Não são os primeiros; nesta altura já estão a funcionar mais de mil, concessionados à petrolífera nacional YPF e também aos do costume - Chevron, Shell, Petronas, Exxon. A produção nacional subiu 27% de 2022 para 2023 e tem potencial para quintuplicar. Com o país na bancarrota, não se pode esperar que tenha preocupações ecológicas em relação à possibilidade de pagar pelo menos parte da sua enorme dívida externa. A Argentina consome 80% e exporta 20% da produção atual.
O mercado de energia, como qualquer outro mercado, é definido pela procura. São os consumidores, grandes (companhias de aviação, por exemplo) e pequenos (as famílias) que determinam a produção. Transcende ideologias e outras considerações. Os humanos não podem, nem querem, prescindir das suas necessidades e supérfluos, mesmo que isso venha, como última consequência, acabar com eles.
Como se pode acusar os (países, pessoas) mais pobres de quererem viver melhor? Os hidrocarbonetos (petróleo, gás), o carvão e a madeira são mais baratos do que as energias renováveis, e o custo também é outro fator incontornável.
Resumindo, estamos mesmo tramados...
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