Esta semana, o Padrão de D. João I, um monumento gótico em Guimarães que celebra a vitória em Aljubarrota, foi parcialmente destruído. Originalmente erguido no século XVI e reconstruído no século XX, já tinha sido restaurado e deslocado ao longo da sua história, refletindo o esforço continuado para preservar a memória coletiva.

As autoridades locais ficaram chocadas com o sucedido e a revolta da população foi manifesta nas redes sociais, tendo a indignação crescido ao longo das horas que se seguiram ao ataque.

A Junta de Freguesia de Creixomil publicou uma nota nas redes sociais a dar conta do que tinha acontecido e a informar que a Polícia Municipal e a PSP tinham assumido a ocorrência, investigando se se tratou de vandalismo efetivo ou de acidente. As pedras do monumento são pesadas e deitá-las abaixo implica o uso de grande força, pelo que é importante entender como tudo aconteceu.

Num comunicado posterior, o Ministério da Cultura refere que  "lamenta profundamente a ocorrência deste episódio, tendo agido na consciência de que a minimização dos danos não resolverá ainda as grandes questões da responsabilidade coletiva sobre o Património e o incontornável respeito que sobre ele deve presidir". "Essa é, justamente, uma das grandes batalhas a desenvolver pelo ministério da Cultura – a consciência patrimonial conquistada pela Educação e pela Cultura, com repercussões sociais ativas na convivência pacífica entre as comunidades e os registos materiais que chegam até nós", pode ainda ler-se.

Não é o primeiro episódio de vandalismo (neste caso, alegado vandalismo) e, talvez e infelizmente, não seja o último contra património histórico.

Por exemplo, a estátua do Padre António Vieira, missionário jesuíta conhecido pela sua defesa dos povos indígenas no Brasil colonial, foi em 2020 alvo de pichagens com a palavra “descoloniza”. Geraram-se debates intensos sobre o papel da memória histórica e a preservação do património. A questão da visibilidade de alguns painéis também já mereceu reparos de alguns responsáveis culturais e políticos. Houve até quem propusesse a demolição de monumentos como o Padrão dos Descobrimentos, o que, além da nossa incredulidade, nos merece atenção pela aleivosia.

Enquanto em relação à memória do paleolítico superior e do neolítico, as vozes se uniram (“as gravuras não sabem nadar”, berrámos há 30 anos, conseguindo empurrar uma barragem), em relação à destruição de memória mais recente ouvimos por vezes uns vivas.

Mas, até esse património mais longínquo, é hoje alvo de ataques sem explicação. E vale a pena trazer até aqui um acontecimento recente: em 2022, o sítio do Lapedo, em Leiria, que preserva a memória de uma criança com 25 mil anos, foi brutalmente vandalizado. É isso mesmo: foi vandalizado o local que preserva uma memória de uma criança que morreu há milénios e que é, como se pode ler no artigo do Público que pode ser consultadi no link, um marco na paleoantropologia internacional "por se tratar do primeiro enterramento Paleolítico escavado na Península Ibérica e porque a criança apresenta traços de neandertal e de Homo sapiens".
Se tivesse sobrevivido até à idade adulta, seria provavelmente ancestral direto de muitos de nós – e isto não é uma romantização.

Em 2022, houve vandalização no sítio arqueológico. Perdeu-se parte de um registo inestimável a nível mundial. Agora em 2024, na noite de 30 para 31 de julho, houve vandalização do património histórico de Guimarães.

É vital que encontremos um equilíbrio entre a reavaliação crítica do passado e a preservação dos marcos. O vandalismo e a supressão não devem ser a resposta para os debates históricos; pelo contrário, devemos promover uma maior compreensão e diálogo sobre o significado dos nossos monumentos, garantindo que são protegidos para as gerações futuras.

Estes atos sublinham a fragilidade dos nossos tesouros históricos e a necessidade urgente de um compromisso renovado com a sua proteção. O património que herdamos, sejam riscos pré-históricos ou um monumento que celebra a glória de um passado real, é uma parte essencial da nossa identidade coletiva. A destruição destas memórias materiais é uma perda para todos nós, um golpe nas histórias que nos definem e nos relacionam com o que fomos.

A perda de parcelas da história é irreparável. O que se passou não pode ser reescrito, mas pode ser sarado. Tal como os nossos avós, que tentaram sarar a dor ao fazer o funeral de uma criança querida que viram morrer.