Sempre gostei do Natal, até há uns anos.

Depois começou a perder o sabor, como quase tudo.

O Natal é para a família, dizem e bem. Mas qual família? 

Vêm uns, vão outros… e assim o Natal parece uma árvore a mirrar, ou então são só folhas a cair, que logo nascem outras. 

Mas há sempre alguém que falta; ou o avô, ou o pai, ou um irmão. Só quando somos pequenos temos o Natal completo.

Agora temos as luzes, muitas luzes, mas só vemos sombras.

Temos também as vilas Natal, que dantes era só Belém e agora nascem todos os anos, circo de Natal, os anúncios, anúncios e mais anúncios, e as pistas de gelo… Uau!!!! E as músicas da época, tantas que, às tantas, são só barulho e plástico, mais plástico e as festas de Natal e os jantares de Natal e o Menino Jesus, substituído por um senhor gordo e barbudo.

Este ano podíamos, os quatro irmãos, fazer como quando era pequeno. Íamos ao musgo, ao pinhal, cortar uma boa pernada para fazer a árvore. O nosso irmão mais criativo tratava da gruta do menino Jesus, feita de pedras e papel de embrulho, pintado em tons ocre. Desembrulhávamos as figurinhas, com muito cuidado, que estão bem guardadas em papel de jornal. Colocávamos o poço e a ponte sobre o rio, feito de pratas dos maços de tabaco, as ovelhinhas e, claro, minuciosa e refletidamente, o menino Jesus nas palhinhas, mais o José e a Maria e, por fim, os Reis Magos (E eu a ver, sem direito a mexer… para não estragar).

Um Natal sem musgo? Pode parecer estranho, mas é realmente necessário: "Até o Menino Jesus agradece"
Um Natal sem musgo? Pode parecer estranho, mas é realmente necessário: "Até o Menino Jesus agradece"
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O menino Jesus não crescia de um ano para o outro. Estava sempre igual, não crescia.  O borrego no regaço do pastor nunca chegava à ovelha… enfim, o ano demorava um ano a passar.

Dizíamos ao pai para ir buscar a flauta, que era do nosso avô maestro. Tinha-a guardada dentro de um estojo de veludo preto, já puído, e um forro interior de seda. Juntava as três partes… molhava os lábios, bebericando mais um tinto, e lá começava ele, soprando e movendo, como um pianista, os dedos nos botões de latão amarelo e nós a trautear: “Ó meu menino Jesus.”

Ou então fazer uma zabumba, que à falta da pele de borrego e do cântaro de barro, fazia com uma cafeteira e uma pele de coelho. Tocava e cantava, e ríamos. 

A mãe podia fazer, para depois do jantar, lá para a meia-noite, aquele toucinho frito entremeado, que deixava na sertã uma grossa camada de gordura e, no outro dia, era banha, que barrada nas torradas feitas na braseira… sabiam como isso mesmo. Sim, as coisas sabiam àquilo que eram. 

Mas deves estar a pensar: “Deixa-te disso… daqui nada estás a dizer que dantes é que era bom e que éramos felizes e não sabíamos, mesmo pobretes, mas alegretes e mais o catano!!!”

Pois, tens razão. Não pode ser… não é?

Mas eu ligo-te na mesma.

A ver se atendes com o teu pigarrear do cigarrinho, antes de falares. Sei que quando perguntar se está tudo bem, vou ouvir ainda aquela interjeição com o peso do mundo.

Continuas aqui no topo dos contactos do telefone, nos favoritos… como em tudo.

Reparo agora: o teu nome tem lá dentro, se calhar, a palavra mais dita pelos homens… 

Até um dia destes. Vamos falando.