Não recorreu à mão divina, foi a força e o virtuosismo humano dele a conseguir liderar o regresso da Argentina, 36 anos depois, à máxima euforia do futebol, com ele como o maior 10 do mundo. É um enorme Leo ao lado de Maradona e uma seleção de talentos a anestesiar por momentos o sofrimento do povo argentino tão magoado pelas misérias da condução política do país – a pobreza está a apanhar quatro de cada 10 argentinos, desde a crise do “corralito” bancário em 2001.
Nestes dias do monumental triunfo da Argentina perante a França do grande Mbappé e da celebração do espetáculo do futebol é devido não ignorarmos Amir Nasr-Azadani. É um iraniano, com 26 anos, futebolista profissional desde 2014. Não é um génio com a bola mas chegou a ser chamado para seleções juvenis iranianas.
O que impõe Amir à nossa atenção é o facto de estar detido e condenado à morte no Irão, acusado de participar numa manifestação em que morreu um coronel das forças de segurança iranianas. Há quem garanta que Amir, embora solidário com os protestos, naquele dia nem participou na manifestação que teve enfrentamento com a repressão da polícia. Mas o regime não está interessado na procura de dados que apurem a verdade. O que pretende é reprimir e tentar voltar a impor a muralha de medo que nas últimas semanas se encheu de rombos com a ação de mulheres valentes.
Há milhares de pessoas que estão presas no Irão, acusadas de ofensas ao regime. São encarceradas sem direitos básicos e sem oportunidade para contraditório ou qualquer argumentação de defesa.
Amir integra um grupo de umas 20 pessoas metidas no mesmo processo. Dois desses 20 acusados, Mohsen Shekari e Majidreza Rahnavard, ambos com 23 anos, já foram cruelmente executados em público. Majidreza foi enforcado, pendurado numa grua, numa praça da cidade de Mashad.
A televisão oficial iraniana emitiu o que apresentou como “confissão pública” daqueles condenados. A Amnistia Internacional lembra que as confissões forçadas de delitos não cometidos estão amplamente documentadas no Irão em regime fundamentalista teocrático.
Desde a morte de Mahsa Amini, em 16 de setembro, nas mãos da “polícia da moral”, os protestos populares contra o regime e de reivindicação de liberdade e democracia propagam-se como nunca tinha acontecido por todo o Irão. A Iran Human Rights, organização com sede em Oslo e boa rede de fontes no Irão, garante que nestes três meses o regime repressivo iraniano já meteu na cadeia cerca de 18 mil opositores e que está identificada a morte de pelo menos 458 pessoas associadas aos protestos.
Entre os tantos detidos está agora Taraneh Alidoosti, 38 anos, atriz que é figura cimeira no pujante cinema iraniano e que tem reconhecimento internacional. Foi encarcerada por apoiar os protestos contra o regime iraniano num vídeo em que apareceu sem o véu que é imposto pelo código de traje da teocracia iraniana. Taraneh é filha de uma professora de arte e de um profissional de futebol, Hamid Alidoosti, que hoje é treinador, depois de ter sido jogador ao longo de 20 anos. Ele está solidário com Amir Nasr-Azadani
Várias figuras do futebol iraniano estão a reclamar a anulação da condenação deste futebolista que o regime está a pôr no corredor da morte. A mesma exigência está assumida pela Federação Internacional de Futebolistas Profissionais (FIFPRO).
Falta um gesto por parte das superestrelas da inesquecível final deste domingo, Messi e Mbappé, em defesa de Amir. Se eles juntarem ao tanto mérito que alcançaram, o de levantar a voz em defesa de Amir, será uma pesada derrota para a ditadura iraniana.
Amir é apenas uma das tantas pessoas cuja vida está nas mãos do regime medieval no poder em Teerão.
O futebol é um mundo com enorme poder. Os grandes artistas que fazem o espetáculo do futebol são ouvidos por todo o mundo.
Messi, Mbappé e outros companheiros também grandes no reconhecimento global, têm ocasião para marcar um grande golo, com alto valor simbólico, aos ditadores do Irão.
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