Não é um assunto fácil de abordar, nem é uma conversa para animar um jantar de amigos. Mas este tema está presente nesses momentos e muitas vezes, mesmo sem se aperceber, poderá contribuir para que o seu amigo continue silenciado e sem procurar a ajuda de que necessita. Apesar da sua seriedade, a violência sexual por vezes é reduzida às piadas "inofensivas" como "quem me dera ser violado, desde que fosse por um tipa jeitosa", ou os comentários de descredibilização como "um homem a sério não pode ser abusado", entre outros exemplos.

Durante o primeiro semestre deste ano, a Quebrar o Silêncio registou um aumento de cerca de 20% nos pedidos de apoio. Foram 59 homens e rapazes vítimas de violência sexual que procuraram acompanhamento psicológico. Em média, estes homens passam entre 20 a 30 anos em silêncio e a grande maioria nunca partilhou a sua história com ninguém. Como poderiam ter contado o que lhes aconteceu quando entre os seus amigos, colegas de trabalho e até na sua própria família a violência sexual é motivo de piada? Como poderiam ter confiado em alguém quando os abusos sexuais de que foram vítimas são motivo de troça? Pode não ter essa consciência, mas é isto que acontece.

Um em cada seis homens é vítima de alguma forma de violência sexual antes dos 18 anos, número esse que aumenta para uma em cada três no caso das mulheres. Na infância, sabemos que uma em cada cinco crianças será vítima de algum tipo de violência sexual. Este último número significa que, por exemplo, numa turma de 30, seis crianças são, foram ou serão abusadas sexualmente — crianças essas que vão crescer em silêncio e perceber que a sociedade não aceita nem acreditará nas suas histórias, especialmente quando chegarem à idade adulta. E enquanto não mudarmos esta realidade, teremos crianças vítimas de abusos sexuais que crescem com este trauma e com todas as consequências que o mesmo terá no seu desenvolvimento; teremos crianças que se tornam adultos que não encontram nas pessoas próximas de si a segurança  para partilhar o que lhes aconteceu. É esta a realidade.

Uma das perguntas que mais recebemos quando realizamos formações ou ações de sensibilização é: "Mas por que razão os homens não dizem nada?" A resposta é complexa, mas uma das razões deve-se ao que referi acima: ao contexto social de troça e até de ataque às vítimas e sobreviventes de violência sexual.

Voltemos ao aumento de 20% que registámos no primeiro semestre. Estes são alguns exemplos literais dos comentários à notícia:

  • "Homens covardes"

  • "Só eu queria ser violado por mulheres e nao vejo jeito... A vida é mesmo injusta.."

  • "Foi da fome da quarentena, comeram muita salsicha de lata"

  • "Que sorte esses 20% de Gayzolas, Deus dá nozes a quem não tem Dentes..."

  • "coitadinhos tão sensíveis que estes homens de hoje sao"

Agora imagine o seu amigo que foi abusado sexualmente aos seis anos e que hoje, com 40 anos, gostaria de partilhar com alguém o que lhe aconteceu. Após ouvir um destes comentários acha que ele sentirá que tem o espaço necessário para o fazer? Não sabemos pela forma como alguém se comporta, fala, se veste, entre outros aspectos, se foi ou não vítima de violência sexual, mas sabemos que as nossas palavras e atitudes podem promover o silêncio e manutenção desse mesmo silêncio das vítimas.

Numa altura em que parecemos viver posições tão extremadas, fica a sugestão para reflectir: de que lado queremos estar? No lado de quem apoia e acredita nas vítimas de violência ou no lado de quem continua a promover o doloroso silêncio de alguém que passou por uma experiência traumática.

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