Antes de mais, faço uma pequena nota prévia: sou muito amigo de Fernando Santos e alguns dos meus passos profissionais mais importantes devem-se a ele. Por isso, não contem comigo para a mais recente caça ao homem, nem para uma carta de amor, mas sim para uma tentativa de uma análise menos efusiva e, espero eu, mais justa, ainda que parcial (é que isso da imparcialidade nos comentários é coisa que eu nunca percebi). Fica a nota.
Agora vou direto ao assunto.
Se eu gritar no meio da rua que Portugal, neste momento, joga bom futebol, está em condições de fazer bons resultados, tira o máximo proveito do talento da equipa e dos jogadores, consegue dominar os adversários francamente inferiores, defende bem, ataca bem, usa os melhores “onzes” nos jogos ou está ao nível das melhores seleções, dir-me-ão que sou louco. E têm razão. Se me ouvirem dizer isso nas próximas semanas, ou mesmo nestas linhas, internem-me num manicómio. E talvez já seja tarde.
Mas se eu vos ouvir no meio da rua a dizer que todo o insucesso da seleção portuguesa se deve apenas a Fernando Santos, que é ele o único mau da fita, que a vitória em 2016, no Euro, e em 2019, na Liga das Nações, foi puro acaso, fruto do talento dos jogadores, que a resolução de todos os conflitos que atormentavam a equipa no passado se deve unicamente à boa vontade dos atletas, que o maior número de sempre de estreias de jovens jogadores só aconteceu porque havia talento nas gerações vindas da formação e que tudo o que de bom apareceu nos últimos anos na cidade do futebol aconteceu porque nosso 'cenhor' assim o quis – e por nosso 'cenhor' entenda-se Cristiano Ronaldo -, então peço-vos que me deixem internar-vos também. São razões falaciosas, demagógicas e altamente injustas para uma pessoa que muito tem dado a Portugal. Podemos gostar mais ou menos deste “estilo de jogo” que Fernando Santos quer impor na equipa, podemos até querer que ele se vá embora – porque tudo na vida tem um fim -, mas dava jeito termos dois dedos de testa, olharmos para o todo e não nos deixarmos condicionar demasiado pelos ânimos de um mero jogo de futebol.
Usar este tipo de argumentos é o mesmo que dizer uma frase que no futebol virou moda: “As vitórias são dos jogadores e as derrotas dos treinadores”. Como se as responsabilidades de uma realidade onde colaboram dezenas de pessoas não fossem partilhadas. Quem argumenta desta maneira, desculpem que vos diga, não percebe nada do funcionamento de uma equipa de futebol, que é um universo complexo, onde só as pinças meticulosamente colocadas permitem entrar.
Mas atenção, claro que, para bem e para o mal, Fernando Santos é um dos responsáveis – mal seria se não fosse -, e o passado não pode condicionar o futuro ao ponto de ficar ad eternum nos comandos da seleção só porque venceu a competição X e Y. É ele o líder, é ele quem define os caminhos da equipa e é evidente que não está, nesta fase, a ser capaz de fazer tudo aquilo que lhe compete. A seleção, de facto, não está a jogar bem e não consegue sair deste circulo vicioso. Mas então e Cristiano Ronaldo, Moutinho, Pepe e todos os outros membros da equipa? Saem impunes? Não lhes é imputada qualquer responsabilidade? Que exagero é este de querer assassinar apenas o treinador?
É este exagero que condeno veementemente.
Uma coisa é criticar, outra é a desonestidade de quem nunca gostou de Fernando Santos e aproveita qualquer má fase para sair do armário.
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