Setembro tem sido generoso em acontecimentos tristes - por vezes risíveis, por vezes trágicos, por vezes embaraçosos, mas sempre tristes. O pior é que Setembro podia ser qualquer outro, de qualquer outro ano.
Primeiro, foi a fuga de cinco reclusos da prisão de Vale de Judeus, uma história com contornos Monty Python: uma escada, uma corda e um carro do lado de fora do muro, um homem a guardar as visitas, torres de vigia desactivadas e câmaras de videovigilância instaladas pelos presos. Claro, passaram 19 dias e nem uma carta, nem um telefonema.
Note-se, este ano já fugiram nove reclusos e o número nem é dos mais elevados dos últimos anos: em 2017 fugiram 14. Na última década, evadiram-se das prisões portuguesas 75 presos. Portugal tinha a 15 de Setembro deste ano um total de 12.151 reclusos - para 6.585 trabalhadores, dos quais 4.082 guardas -, distribuídos por 49 estabelecimentos prisionais, 22 de grau elevado (como Vale de Judeus), 27 de grau médio, classificação feita em função do nível de segurança e complexidade de gestão.
Não são apenas as fugas que estão em causa. Em Fevereiro de 2019, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) instaurou um inquérito por causa de uma festa na prisão de Paços de Ferreira, gravada por diversos telemóveis e transmitida em directo no Facebook ao longo de, pelo menos, 40 minutos. Seria o aniversário de um traficante de droga, com direito a música, bebidas e bolo.
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, veio logo dizer que o que aconteceu naquela cadeia "não pode nem deve acontecer", por dois motivos, "foi uma festa não permitida" e "houve filmagens no interior do estabelecimento com telemóveis, que não podem ser utilizados". Pelos vistos, veio a saber-se agora, os únicos que não podem ter nem usar telemóveis nas cadeias são os guardas prisionais.
Depois de uma audição surreal na Assembleia da República, a directora do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, Maria Fernanda Barbosa, demitiu-se. Sobre o inquérito, a DGRSP fechou-se em copas e mesmo agora responde que "não faz partilha pública de informação respeitante a procedimentos de segurança nem a relatórios internos do Serviço de Auditoria e Inspeção". É pena.
Depois da fuga, os números negros dos incêndios: nove mortos, mais de uma centena de feridos e cerca de 124 mil hectares ardidos, estimativas do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais. O horror repete-se. Só na última década, quatro anos trágicos em área ardida: 2016, 2017 (114 mortos), 2022 e 2024.
Nos dois casos, prisões e incêndios - mas podia ser na habitação, na saúde, na educação -, abrem-se inquéritos que nunca são fechados, criam-se grupos de trabalho uns em cima dos outros sem nunca se decidir nada. O Diário da República está cheio de despachos estéreis, perguntas que ficam sem resposta, estudos que redundam em nada.
Finalmente, o Orçamento do Estado para 2025. Ainda no rescaldo dos incêndios, no meio do luto de quem perdeu família e amigos, os pertences de uma vida, PSD e oposição (leia-se PS e Chega) discutem egos e embrenham-se em futilidades.
Não se governa um país como se fosse uma telenovela. Pior, uma telenovela mexicana. Não há direito. Ninguém quer saber se há reuniões ou não há reuniões por causa do Orçamento do Estado. Ou de qualquer outra matéria. O que as pessoas querem é soluções, é uma vida melhor. E isso exige uma visão para o país e um plano para a pôr em prática. O resto são tricas de bastidores, é grupo, como se diz em linguagem à Vale de Judeus.
E de grupos estamos todos fartos. As pessoas querem políticos que honrem o lugar que ocupam. Pedro Nuno Santos tem de se convencer que não é primeiro-ministro, da mesma maneira que Luís Montenegro não precisa de pedir licença para ser chefe do executivo (as eleições de 10 de Março ditaram o resultado). Agora é pensar mais nos portugueses e menos nos seus umbigos. E se a vaidade está acima dos eleitores, então pensem em como querem ser recordados pela história.
O país tem de ter um desígnio, fixar o alvo e fazer marcação cerrada. Como disse o embaixador José Cutileiro na sua última entrevista, "Portugal tem um problema de pobreza e do que vem com ela. Enquanto o país não enriquecer não sai de onde está". E os portugueses, para passar das telenovelas para a vida real, querem ser mais Dinamarca e menos México.
Este texto está escrito segundo o antigo Acordo Ortográfico
Comentários