Ontem escrevi sobre amor próprio e hoje dedico o dia ao #dowhatyoulove, essa hashtag que usamos para intencionalmente mostrar que fazemos o que gostamos. Contudo, numa era em que é supostamente mais fácil irmos atrás dos nossos sonhos e que, finalmente, nos explicaram que não chega trabalhar, é preciso fazê-lo com propósito para nos realizarmos profissionalmente, é também o momento em que é cada vez mais difícil conseguirmos um emprego. Ou, pelo menos, uma retribuição justa por aquilo que fazemos.
O mundo mudou, a par com a ideia de trabalho e profissão. Não falo do facto de alguns miúdos quererem ser youtubers quando forem grandes, mas da forma como a tecnologia mudou o paradigma, bem como a noção de valor do nosso trabalho. Para além de trabalharmos mais horas em cada dia e mais anos ao longo da vida, o modelo das profissões e da forma de realizarmos as tarefas também se alterou, permitindo que não estejamos tão dependentes de organizações e empresas, numa lógica de maior liberdade e independência que tem, naturalmente, as suas consequências. Ainda que o sistema continue a basear-se, principalmente, na antiga fórmula do patrão e da empresa, hoje somos mais colaboradores do que empregados. A ideia de emprego para a vida e estabilidade no emprego acabou. Somos - seremos - várias coisas ao longo da vida.
O propósito de vida assume-se determinante neste processo, mesmo que a maior parte de nós não faça ideia do que quer isso dizer. Venderam-nos a ideia de que tínhamos de estudar para sermos alguém, ter boas notas para nos destacarmos e envolvermo-nos em muitas atividades para aprendermos, criarmos uma rede de relações - o famoso networking - e destacar o nosso CV entre todos os outros. Contudo, na maior parte das vezes, nada acontece. E agora?
Independentemente da idade - piora um pouco depois dos quarenta, idade a partir da qual temos, obrigatoriamente, de ser suficientemente criativos para dar a volta por cima, ter um hobby que transformamos em full time job ou contactos que nos voltem a colocar no mercado - na verdade, a tarefa de encontrar o dream job é, atualmente, mais difícil do que nunca.
E o que tem a isto a ver com a rádio? Aparentemente nada e, na verdade, tudo, porque também a tecnologia permitiu mudar a face da rádio. Contudo, o meio de comunicação e o sistema empresarial que o organiza, mantém o mesmo modelo há décadas, introduzindo, muito devagar, pequenas mudanças em direção a um novo sistema, mais difícil de gerir mas muito mais interessante de ouvir.
Para quem me conhece, explicar as razões pelas quais me apaixonei pela rádio implica repetir-me à exaustão. Há anos que o tema é sempre este pelo que começo a não saber explicar o óbvio.
Já fiz tantas declarações de amor à rádio que começa a parecer ridículo, ou uma relação não correspondida. Profissionalmente, atingi algo que estava apenas na minha imaginação antes do tempo que essa mesma ambição definiu, e fiz coisas, aqui e fora de portas, que ambicionava mas não imaginava que pudessem acontecer. Estarei para sempre grata e orgulhosa por isso mas, na verdade, ao longo de todo este tempo, o que eu queria era voltar à base, ao modo mais simples e orgânico de fazer rádio: eu, tu, um microfone e o mundo lá fora a acontecer.
A rádio está de tal forma profissional que perdeu parte do seu brilho, na dependência das medidas do seu sucesso e do investimento publicitário. É o preço a pagar para se criar esse mundo alternativo que só a rádio consegue desenvolver. Ainda não fiz tudo na rádio mas posso dizer que já cozinhei na rádio. Ou, pelo menos, fiz-vos acreditar que sim, e essa é a magia, o oposto da rádio pobre e preguiçosa, feita com base em receitas simples e eficazes, como também antes já escrevi. Porque, como antes afirmei e gosto de repetir, a rádio é palavra e a palavra é mistério. Porque a rádio se faz de sons e esses são a imaginação. Depende da voz, na relação entre a palavra e a imaginação, como escrevi em 2015, para explicar porque razão gosto tanto de rádio. Olhei para trás e percebi que, nesse ano, escrevi muito sobre rádio. Em 2018 escrevo menos e faço mais.
É esse o segredo para manter a chama viva: fazermos o que gostamos.
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