A violência sexual online e nos ambientes digitais tem vindo a aumentar nos últimos anos. É uma forma de violência que afeta principalmente o sexo feminino, mas sabemos que os homens e rapazes não estão isentos de serem vitimados. O marcador de género é evidente, nomeadamente na forma como os abusadores agem em relação às potenciais vítimas.
A extorsão sexual é um tipo de chantagem em que o perpetrador usa fotografias ou vídeos íntimos e/ou de natureza sexual da vítima para forçá-la a fazer algo contra a sua vontade. Isto pode significar coagi-la a produzir mais conteúdos ou a pagar para que os conteúdos não sejam divulgados. Quem chantageia tende a recorrer a aplicações de encontros sociais/amorosos, redes sociais, sites de webcam/streaming ao vivo, ou sites de pornografia. Geralmente assumem uma identidade falsa (ex: um homem que diz ser uma jovem rapariga) para seduzir a vítima e ganhar a sua confiança. Rapazes e raparigas adolescentes estão particularmente mais vulneráveis a este tipo de violência. No entanto, pode acontecer — e acontece — a qualquer pessoa, independentemente da idade.
Em 2022, a NSPCC juntamente com a IWF relataram que muitos rapazes, com idades entre os 16 e os 17 anos, estão a reportar mais casos de extorsão sexual (comumente referida como sextortion). São as próprias vítimas que indicam terem sido alvo de extorsão e procuram ajuda. Nestes casos, a perspetiva de género não pode ser ignorada. Sabemos que este tipo de extorsão, para obter ganhos financeiros, é mais frequente nos rapazes do que nas raparigas. Estes rapazes normalmente são aliciados por homens que assumem uma identidade falsa. Ou seja, os abusadores fazem-se passar por raparigas ou mulheres mais velhas para aliciar os jovens a trocar imagens e conteúdos íntimos e sexualizados. As vítimas são levadas a acreditar que se trata de uma troca mútua e as imagens são posteriormente usadas para extorquir os jovens vitimados.
A violência é online, mas o impacto é real
Por não haver necessariamente contacto físico, há quem acredite que as consequências são menos impactantes. Não é esta a verdade. Muitas das vítimas sentem-se à mercê de um desconhecido e/ou sentem que perderam o controlo da sua vida. A maioria das vítimas receia que a família, pessoas amigas e colegas possam receber as fotos e vídeos. Este receio é suficiente para ter um impacto negativo e disruptivo na sua vida e no seu dia-a-dia, mas as consequências podem ser muito mais profundas.
Em 2017, o CCCP inquiriu 150 vítimas de violência sexual baseada em imagens (ler VSBI: «quando a imagem é uma arma») e quase 70% das pessoas vivem com a preocupação constante de serem reconhecidas por desconhecidos. Inclusive, 30 dessas pessoas referiram que já foram identificadas e interpeladas por alguém que tinha visto imagens suas quando foram abusadas sexualmente. Muitas destas vítimas, acabam por desenvolver Perturbação de Stresse Pós-Traumático, tal como as vítimas de violência sexual nos casos em que houve contactos físicos, com ou sem recurso a atos penetrativos.
Extorsão com recurso à Inteligência Artificial
As imagens e vídeos não têm de ser reais para que alguém seja vítima de extorsão sexual. Os conteúdos (que também abrangem os registos áudio) podem ser forjados, manipulados ou completamente falsos. Atualmente, com recurso à Inteligência Artificial (IA, ou AI, em inglês) é possível criar imagens das vítimas em situações que nunca aconteceram e que servem de base para a extorsão.
Também é importante considerar que não é fundamentalmente necessário que existam materiais e conteúdos. Ou seja, a chantagem e a ameaça de partilha consiste, só por si, um ato de violência contra a pessoa. A vítima, não sabendo se o chantagista tem ou não imagens suas, reais ou ficcionais, pode sentir as mesmas consequências e pressão para pagar. Em fevereiro deste ano, o The Guardian noticiou que um jovem de 16 anos se suicidou porque estava a ser extorquido por um desconhecido. O chantagista ameaçou o rapaz, afirmando que iria enviar duas imagens (referidas como nudes) para todos os seus seguidores se ele não pagasse a quantia exigida. Tal como muitas vítimas, Dinal De Alwis bloqueou o extorsor na esperança de encerrar o assunto. Como retaliação recebeu a mensagem «Achas que ao me bloqueares isso me vai parar? O que queres que eu faça — queres que eu envie para todos os teus seguidores? Porque é que não me pagas? 100£?». Para muitas pessoas, 100 libras até pode parecer uma quantia irrisória e que é pagável. No entanto, para as vítimas a questão passa pela exposição de conteúdos pessoais, íntimos e sexuais que não desejam ver expostas e de conhecimento público, nomeadamente junto da família, amigos e colegas. Mesmo quando as vítimas pagam o valor exigido, isso não resulta no fim da extorsão.
A extorsão sexual é mais uma forma de violência sexual — um dos muitos tentáculos — e que afeta homens e rapazes. No entanto, por ser mais um tema tabu, reforça-se a desinformação, alimentam-se mitos e ideias erradas, e contribui-se para a manutenção do silêncio das vítimas. A mensagem que é importante passar é que qualquer pessoa pode ser vítima desta forma de violência sexual, mulheres e homens.
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Ângelo Fernandes é o fundador da Quebrar o Silêncio — a primeira associação portuguesa de apoio especializado para homens e rapazes vítimas e sobreviventes de violência sexual — e autor do livro “De Que Falamos Quando Falamos de Violência Sexual Contra Crianças?”, um guia dirigido a pais, mães e pessoas cuidadoras com orientações para a prevenção do abuso sexual de crianças.
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