François Bayrou, um centrista com 73 anos de idade e cinco décadas na política,  aparece como a menos má escolha política que o presidente francês poderia tomar para chefiar um governo que, compatível com a orientação política liberal que Macron cultiva obstinadamente, consiga alargar a base partidária de não recusa.  Bayrou deve conseguir a condição essencial para sobrevivência política de escapar à censura, pelo menos inicial, dos 66 deputados do PS no parlamento francês. Pode mesmo beneficiar da tolerância do Partido Comunista, cujo líder, dez minutos depois do anúncio da escolha de Bayrou, admitiu que é possível negociar com ele. Mesmo a extrema-direita de Le Pen, apesar de muito distante de Bayrou, tem com ele relações cordiais. Não o vai chumbar à partida.

Para o atual presidente Macron, esta escolha é capital: a repetir-se a rejeição em tempo breve do primeiro-ministro, ficaria exposto que o bloqueador do sistema político francês é ele, Macron, que nas sondagens aparece com a rejeição recorde de 75% dos inquiridos.

O novo chefe do governo de França é filho de agricultores e goza de simpatias no muito agitado mundo rural francês. Católico praticante, formado em literatura, presidente do Movimento Democrático (MoDem), partido centrista democrata-cristão que fundou, é, desde 1982, ininterruptamente, autarca de Pau, no sudoeste pirenaico de França. Bayrou foi ministro por duas vezes: da Educação (com Mitterand) e da Justiça (com Chirac), e por duas vezes candidato presidencial. Ao ter desistido da corrida presidencial de 2017 deu então impulso decisivo à eleição de Macron.  Sendo centrista apoiou as candidaturas presidenciais dos socialistas Ségolène Royal e François Hollande e foi muito crítico do ex-presidente Nicolas Sarkozy, eleito pela direita.

O filme da crise política em França

A crise política destes últimos tempos ficou agravada com a convocação por Macron de eleições gerais antecipadas que ninguém, exceto Le Pen, estava a pedir ou desejar. Macron convocou estas eleições na noite de 9 de junho, duas horas depois de serem anunciados os resultados das eleições europeias que, em França, resultaram em triunfo da extrema-direita de Le Pen e Bardella, e derrota do centrismo macronista.

Na campanha para as eleições antecipadas, o macronismo apelou à “França republicana”:   pediu que o eleitorado francês voltasse a mobilizar-se para barrar a possibilidade de a França ser governada pela família Le Pen e amigos. O apelo foi escutado, as esquerdas, o centro-esquerda socialista e os ecologistas aliaram-se numa Nova Frente Popular que  alinhou com os macronistas numa tática de desistências recíprocas para favorecer a eleição da candidatura melhor colocada para derrotar a extrema-direita.

Nas eleições de 7 de julho, perante surpresa geral, a frente das esquerdas foi a aliança com mais deputados eleitos (182), enquanto o Ensemble macronista conseguia 168 e a extrema-direita apenas 143. Le Pen e Bardella gritaram então que a eleição lhes tinha sido “roubada” por uma aliança contra-natura.

A sequência que parecia natural para estas eleições seria a formação de um governo apoiado pelas esquerdas e pelos macronistas. Teria maioria absoluta.

Mas as esquerdas anunciaram finca-pé num programa de governo baseado no manifesto eleitoral das esquerdas e Macron vetou não apenas esse programa como a participação no governo do insubmissos LFI, de Mélenchon, a força das esquerdas com mais deputados eleitos.

A negociação do 'governo dos perdedores'

Ficou criado o impasse. Macron manobrou e, perante a hostilidade das esquerdas e das direitas mais à direita, encarregou um experiente negociador oriundo da direita, Michel Barnier, para formar um governo apoiado pelos partidos que mais tinham recuado nas eleições, o Ensemble macronista (168 deputados) e o partido Les Républicains (46 deputados), antiga direita clássica. Ficou conhecido como o governo dos perdedores, fortemente hostilizado pelas esquerdas em fúria e que, através de políticas migratórias de linha dura, contou com a benevolência de Le Pen. Durou exatamente 90 dias, foi o governo mais breve na história da república francesa após De Gaulle.

Macron, chamam-lhe o procrastinador dos franceses, em esforço desesperado para sustentar a sobrevivência política na presidência francesa, tentou tudo para ampliar a derrota da base política parlamentar de centro-direita que não bastou para segurar o cessante governo Barnier.  Desta vez, o presidente, ele próprio, negociou com gente do PS, dos Verdes e até do PCF. Fez saber que só deixava de fora as extremas, os Insoumis (LFI) à esquerda, e o Rassemblement National de Le Pen e Bardella à direita.

Assim chegou ao experiente Bayrou. É um compromisso. É um político à antiga, sabe dialogar. Não faz parte dos mais próximos de Macron, não vai ser um mero executante das vontades do presidente sobrevivente. Na manhã desta quinta-feira em que Bayrou foi nomeado para formar governo, os dois chegaram a desentender-se. Reuniram-se durante uma hora e 45 minutos e chegaram a impasse sobre a arquitetura e programa de um governo Bayrou. Este saiu do palácio presidencial por uma discreta porta lateral e os próximos reconheceram que havia impasse. Macron chegou a explorar outras hipóteses para chefiar o governo, mas intermediários recolocaram as pontes e, com horas de atraso em relação ao que estava previsto, um lacónico comentário presidencial anunciou que François Bayrou recebeu o encargo de formar governo de França.

Tem pela frente uma tarefa colossal na França em crise financeira, económica, social e política. Restam à França as glórias como a organização dos Jogos Olímpicos, a ressurreição da catedral de Notre-Dame e a pujança que resiste das indústrias culturais.

Bayrou promete diálogo político aberto. Bayrou representa para Macron uma espécie de balão de oxigénio para sobrevivência política do muito fragilizado e detestado presidente. Para os franceses é a esperança de que alguma coisa possa melhorar e que ajude a remendar alguns dos largos rasgões no tecido político do país.