Emocionalmente, apetece alinhar com estas críticas e juntar a voz ao coro que grita “libertem os tanques”. Mas, racionalmente, há que ponderar o dilema de Berlim.

E se o fornecimento desse equipamento pesado de combate vai impor uma escalada que vai tornar a guerra mais ampla, longa e ainda mais tremenda, com o caminho para restabelecimento da paz mais difícil e doloroso? É um cenário a ter em conta.

Com os Leotard II, a Ucrânia deixa de estar a ser equipada com armamento defensivo, passa a dispor de poder bélico ofensivo. Concretizada a escalada do envolvimento militar, depois, já não será possível voltar atrás. A guerra deixa de ser da Rússia contra a Ucrânia apoiada pela NATO. Passa a ser a Rússia contra a NATO.

É um debate que, sem prejuízo da inquestionável e firme solidariedade com a Ucrânia, importa instalar entre a opinião pública europeia. Nada garante que mais armamento de guerra resolva o conflito, pelo contrário, pode agravá-lo. É assim que é preciso ponderar, dando voz a múltiplas opiniões.

Emocionalmente, sim, queremos todos ajudar a Ucrânia a libertar-se da agressão da ditadura de Putin.
Mas a escolha do modo para melhor apoiar a Ucrânia tem de ser racional, com avaliação profunda de vantagens e inconvenientes nos dois cenários

A prudência alemã tem o peso da terrível herança das duas devastadoras guerras do século XX.
Os alemães sabem o que lhes custou a “Operação Barbarossa”, em 1941, em que os tanques hitlerianos penetraram cheios de confiança na União Soviética com uns 600 mil veículos ao longo de uma frente com quase 3.000 quilómetros, mas fracassaram, repelidos e derrotados pelo exército vermelho.

Desde o final da II Grande Guerra, os alemães têm a obsessão de estarem sob proteção dos EUA. É na Alemanha que está Ramstein, a maior base militar americana na Europa, inaugurada nos anos 50 e o lugar escolhido por Washington, em 1983, para instalar os mísseis Pershing II, com capacidade para atingir Moscovo. Foi uma decisão que então gerou alta tensão nuclear.

Os alemães cultivam ficar escudados pelos americanos. Se os EUA preferem fornecer dinheiro em vez de enviar para a Ucrânia os tanques Abrams, então Berlim também trava os Leopard II.

Está na cultura alemã, como se viu em todos os conflitos das últimas décadas, preferir o soft power e a diplomacia ao recurso às armas de guerra. É uma prudência que leva ao impedimento de vários países europeus de enviarem para a Ucrânia os tanques Leopard II de que dispõem: todos os produtores de armas na Alemanha estão obrigados, por uma regra fixada na reconstrução no pós-guerra, a autorização do Estado para as poderem exportar, e essas exportações estão proibidas para zonas de conflito.

A prudência alemã deve fazer-nos pensar no objetivo estratégico mais amplo. Sobretudo, em como parar esta guerra e como ajudar a Ucrânia na reconstrução do país. Aliás, também há que tratar de definir as bases que tornem possível retomar o relacionamento com a Rússia, porque este país existe e, apesar de estar agora presidido por um ditador, há-de um dia libertar-se e já basta de muros a separar-nos.

No imediato, claro, há que fazer tudo para que as ucranianas e os ucranianos deixem de ser torturados. Todo o esforço na defesa não implica passar ao contra-ataque. Não parece que o contra-ataque sobre a Rússia seja o melhor modo para levar o Kremlin à negociação da paz.