Vivemos os últimos anos em torno de um tríptico: "crise, austeridade, sacrifício". Sabemos que estava muita coisa mal e que era preciso emendar. Mas as opções de austeridade adotadas como remédio só serviram para reforçar a desconfiança dos cidadãos nas instituições internacionais e nos dirigentes políticos em funções. Todos sentimos que os Estados fragilizados se tornaram reféns do sistema financeiro. A boa saúde de um país deixou de ser medida pela sua força criativa e pela robustez da sua justiça social e solidariedade. Passou a ser medida pelos indicadores da economia, o défice, a dívida, a balança comercial. Os números em vez de as pessoas.
Estou entre os que rogaram pragas ao modo de austeridade que teve como locomotiva a chanceler Merkel. Mas há que reconhecer que, com a crise dos refugiados que tentam avançar a pé para dentro da Europa, Merkel mostrou ser líder com estatura. Proclamou "vamos cuidar deles", e a força principal da Alemanha, aparelho de estado e cidadãos, uniu-se para transformar o verbo em ação. A política alemã, nesta crise dos refugiados, está a funcionar como modelo de solidariedade, aliás, como nenhuma outra na Europa - alguns países, como a Hungria, com dirigentes de mediocridade moral, enfurecem-nos e envergonham-nos como europeus, perante imagens que relembram um passado abominável. Mas também é facto que a Alemanha tem a puxar por ela a prosperidade económica e a baixa demografia.
Habituámo-nos a olhar com desconfiança para os litígios, os ritos e as palavras vazias dos políticos. Nunca me passou pela cabeça que viesse um dia a pensar que Merkel também pode ser uma referência moral, uma líder capaz de impulsionar a generosidade e a solidariedade. Está a saber fazê-lo com esta tragédia dos refugiados. Lástima que tenha sido diferente com os povos submetidos à troika.
Voltemos ao princípio: onde é que está, em Portugal, um líder político capaz de nos desassossegar
e, apesar das clivagens, mobilizar para uma boa ambição comum com construção de territórios de futuro? Um líder, por exemplo, capaz de compreender que as artes podem contribuir para mudar o nosso olhar e a nossa maneira de estar. Precisamos dos frutos da imaginação.
Duas leituras que recomendo hoje sobre o desafio que a escolha de Corbyn para lider dos trabahistas britânicos representa para a Esquerda europeia. Vale a pena ler esta análise no The Guardian. E esta no El País.
Nota do SAPO24: este texto foi escrito no dia 11 de setembro, embora a publicação tenha sido feita a 15 de setembro.
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