A morte, em 16 de setembro, de Masha Amini quando estava sob custódia da Polícia da Moral, espécie de Gestapo da teocracia iraniana, desencadeou a revolta por todo o país com 85 milhões de pessoas. O crime de Masha foi o de passear em avenidas de Teerão com o véu mal posto. Tinha a franja à vista. O protesto desde esse dia, nestes dois meses, nunca mais parou e propaga-se por todos os setores da população, com mulheres na primeira linha.

A questão do véu é a ponta do iceberg da brutal perda de direitos das mulheres iranianas como em todo o mundo islâmico. Até ao final dos anos 70, a maioria das mulheres de Teerão como as do Cairo ou de Damasco vestia-se como as de qualquer cidade ocidental. A ascensão de Komeyny ao topo do poder do fundamentalismo islâmico no Irão remeteu as mulheres para o estatuto de criaturas de segunda classe.

A legislação instalada por Komeyny e que se propagou por vários dos países islâmicos põe as mulheres sob custódia dos homens. Fixa o direito dos homens a ter relações sexuais com elas sempre que eles tiverem esse desejo. O dever de obediência por parte da mulher chega ao extremo de lhe valer castigo físico se responder ao marido sem a cortesia devida. Em tribunal, o testemunho do homem sobrepõe-se sempre ao da mulher.

O protesto de agora, iniciado em 16 de setembro, começou por ser contra a morte de Masha. Tornou-se uma luta pela liberdade.

O regime teocrático está a ser desafiado e a rebelião parece imparável.

É facto que não há relatos por jornalistas no terreno. O poder religioso fechou o Irão à presença de repórteres independentes. As imagens que chegam de onde quer que seja no mundo através das redes sociais, por regra, obrigam a prudência. Mas o que aparece nos curtos vídeos que proliferam a partir do Irão tem algo que não deixa dúvidas. O vigor e a dimensão das manifestações é enorme.

A repressão está a ser brutal. Há dados convergentes que apontam para 16 mil pessoas postas na prisão nestes dois meses. As forças do regime disparam a matar e há mais de 420 mortos, grande parte deles eram estudantes. Há julgamentos sumários e há notícia de seis condenações à morte.

As mulheres são o grupo que desde a fundação, em 1979, da República Islâmica sofre mais opressão. Várias vezes nestas quatro décadas tentaram movimentos de contestação, mas nunca foram apoiadas pelos homens. Agora sim. Esta viragem é sintoma da decomposição da base social do regime.

É consensual que está em curso a maior contestação nos 43 anos de poder.

A par da perda do medo, o que é inédito nesta rebelião é a amplitude da mobilização.

Como é que tudo vai evoluir? O que é que virá a seguir? O cenário não exclui o risco de guerra civil. A sucessão contínua de tantas manifestações tão participadas configura uma revolução. Vai triunfar?

O atual patrão do regime é o aiatola Ali Khamenei. Está agora com 83 anos e é “líder supremo” desde a morte de Komeyny em 1989. Há quem veja os militares da Guarda da Revolução com desejo de tomar a liderança que tem estado com os aiatolas. Não será de excluir que o poder militar venha a tomar o poder no Irão, num modelo como o do Egito onde está instalada a autocracia do general Al Sissi.