“Governo corta mais, Bruxelas diz que não chega”, “Bruxelas pressiona. ‘Mais medidas’ e ‘bom senso’”, “Bruxelas pede medidas adicionais a Portugal”. Nos últimos dois dias os títulos sobre a elaboração do Orçamento do Estado têm andado por aqui. Bruxelas pressiona, Bruxelas exige, Bruxelas pede.

Não se sabe como é que esta sessão de “esclarecimento” que o Governo português tem estado a prestar à Comissão Europeia vai terminar. Para já, as mesmas notícias dizem que o “esclarecimento” já vai num aumento dos impostos do selo, dos combustíveis, dos automóveis, das empresas, da banca e do tabaco. Ainda bem que Bruxelas só pediu um esclarecimento. Mau seria que se tratasse da exigência de medidas adicionais para baixar o défice mais do que o esboço de Orçamento previa.

O processo não é novo. Durante os quatro anos da troika isto foi uma constante. E se não aconteceu antes, desde os primórdios da nossa participação no euro, foi porque as regras então em vigor não o previam.

O que é que isto tem de perverso? Não é a “ingerência”, a “falta de soberania” ou a alegada “chantagem” da Europa. Estamos lá porque quisemos e queremos e porque ganhámos e ganhamos com isso. A perversidade está na nossa absoluta falta de vontade para, de forma voluntária e porque isso é o melhor para nós, equilibrarmos as nossas contas e baixarmos a nossa dívida.

Fazer e manter orçamentos equilibrados é um princípio básico de responsabilidade em qualquer lado, ainda que pontual e conscientemente possa haver momentos em que se gasta mais do que se recebe. Mas essas devem ser excepções e não a regra. No Estado e nas empresas, nas instituições e nas famílias.

A nossa cultura de despesa, défice e dívida é tão sólida e está-nos tão entranhada que consideramos indigno que alguém nos venha dizer para fazermos aquilo que, à partida, devia partir das nossas instituições, dos nossos governos, de uma generalizada vontade popular.

Mas não. Nunca, nem nos momentos das mais gordas vacas gordas conseguimos aproximar-nos durante um mês que fosse desta coisa simples: o Estado gastar apenas tanto quanto cobra de impostos. Ainda que os impostos sejam estratosféricos, como agora acontece, encontramos sempre modo de gastar mais, de fazer défices.

Podemos indignar-nos porque a austeridade da troika foi excessiva, cega, recessiva, injusta para muitos. Tudo isso pode ser verdade.

Mas o que é que fizemos por nós próprios desde o início dos anos 90? Onde aplicámos as dezenas e milhares de milhões que chegaram de fundos comunitários - pagos pelos contribuintes dos países mais ricos, é bom não esquecer? Onde derretemos a enorme folga orçamental dada pela descida dos juros na segunda metade dessa década, quando os mercados começaram a acreditar que podíamos entrar no euro? E as carradas de dinheiro recebidas pelo Estado com as privatizações nos últimos 30 anos?

Isso não nos indigna? Os nossos erros colectivos não nos envergonham? A continuada irresponsabilidade orçamental dos que elegemos para governar não aconteceu? Não fomos nós, no pleno uso da nossa soberania, que criámos o “monstro” que agora não conseguimos sustentar? Alguém nos obrigou a gastar ao ponto de em três décadas e meia precisarmos de três resgates para nos tirar da bancarota?

Temos que ter a noção que se alguém falhou fomos nós, antes de mais ninguém. Nós, colectivamente, país independente dotado de instituições, com sectores público e privado, classe política e sociedade civil.

Podíamos ter feito de maneira diferente, mas por falta de vontade ou capacidade não conseguimos. Apesar dos avanços nas últimas quatro décadas - o Portugal de 2016 é muito melhor do que o de 1973, apesar do aperto destes dias - temos uma economia pouco produtiva, instituições fracas, uma cultura pouco dada à responsabilidade financeira e orçamental e essa crença entranhada de que podemos gastar à tripa forra porque isso é bom para a economia e garante a nossa prosperidade futura.

Não garante, como se vê.

Diz agora o novo governo, e muitos o acompanham nisso, que é preciso mudar de política: vamos dar dinheiro às pessoas para elas gastarem e fazer crescer a economia; quanto ao défice, vamos baixá-lo mais devagarinho e mesmo assim só para os “talibãs” de Bruxelas não nos incomodarem demasiado. Mas que óptima ideia. Como é que nunca ninguém se tinha lembrado de tal coisa? Esperem, se calhar já nos tínhamos lembrado e praticado isso. Pois já. Aliás, durante grande parte das útlimas três décadas os governos não fizeram outra coisa senão atirar dinheiro para cima da economia para ver se ela crescia, se se desenvolvia de forma sustentada. Ela cresceu nalguns anos mas depois estagnou, apesar do dinheiro dos contribuintes que continuavam a atirar-lhe para cima.

Aqui chegados, já tentámos tudo. Ou quase.

Aumentos de rendimentos sem regra nos sectores público e privado? Já tentámos.

Aumento de subsídios e prestações sociais? Já tentámos.

Corte cego de rendimentos e prestações sociais? Já tentámos.

Nacionalização de bancos falidos? Já tentámos.

Encerramento de bancos falidos? Já tentámos.

Investimento público em betão? Já tentámos.

Corte no investimento público? Já tentámos.

Incentivos ao investimento estrangeiro? Já tentámos.

Choque tecnológico? Já tentámos.

Brutais aumentos de impostos? Já tentámos.

Auto-estradas sem portagens? Já tentámos?

Portagens nas auto-estradas que não as tinham? Já tentámos.

A lista podia seguir.

Uma coisa ainda não tentámos com pés e cabeça: dimensionar o Estado a um nível que a economia e os contribuintes possam pagar, permitindo uma descida de impostos para que empresas e particulares não trabalhem maioritariamente para pagar impostos.

Ainda não é desta que isso vai acontecer. De quantos resgates precisamos para lá chegar é a questão que sobra. Porque isso vai acontecer. A bem ou a mal.

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  • Não só devíamos saber o custo como saber todos os que recebem a subvenção vitalícia. Não há qualquer razão para que essa informação não seja pública.