O mundo anda perturbado, do avesso, como quiserem descrever, cada vez mais alucinado, cada vez mais hostil. Não escrevo sobre as alterações climáticas, embora tenha saído ontem um relatório que nos deveria fazer pensar seriamente nas diferentes bodegas que andamos a fazer. Escrevo-vos sobre a Justiça ser sempre relativa e as leis, infelizmente, serem incompreensíveis. Tal como o são alguns juízes.

Em Loures, há dias, aconteceu o mesmo que tem vindo a acontecer por outras cidades do país. O tribunal ilibou um sujeito acusado de violência doméstica e garantiu que o mesmo pode continuar a ver a filha, mesmo que seja com a supervisão dos avós. Avós que têm cerca de 80 anos.

Este sujeito – vamos designar a criatura desta forma para simplificar – foi ilibado e continua a ameaçar a mãe da criança. A criança verbaliza que não quer ir para o pai. A mãe faz um relato de terror. O Ministério Público confirmou a situação e fez a acusação. O tribunal decidiu que é mais uma situação de violência doméstica que pouco importa.

Pouco importam as mulheres. E as crianças. Será que os juízes se interrogam sobre os traumas destas vítimas? Não creio, até porque não as entendem como vítimas. Pergunto-me: o que faz com que um sujeito assim possa sair ilibado de uma acusação de violência doméstica, capaz de ser comprovada pelo Ministério Público, e possa continuar a ameaçar a mulher em questão? Ameaça porque pode. É ilibado, porque há espaço na lei para não o considerar um agressor. A definição de agressor deveria ser revista rapidamente.

Um destes dias, diz esta mãe, irá recorrer a uma casa-abrigo, para se afastar e não ser ameaçada constantemente; para não viver a medo; para proteger a sua criança. Se o fizer e a criança não for às visitas paternas, talvez o sujeito opte por ir a tribunal. E talvez um juiz qualquer diga que sim, que o sujeito tem razão, tem direito a ver a filha. Talvez diga que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. No caso de violência doméstica não existe fronteira, não existem umas coisas e outras, existe uma realidade, várias vítimas – neste caso duas, a mãe e a filha – e uma vida subjugada, a medo, sem sentido.

A Justiça é, para citar um livro que ando a ler de Deborah Levy, Direito de Propriedade (edição Relógio d’Água), uma vaca sem chocalho, à deriva, sem saber para onde seguir, nem sequer para escapar à maldade dos homens. Todos os anos se repetem episódios que revelam que a lei é relativa, é pouco séria, é cega e não quer saber. Todos os anos essa mesma lei é imposta por homens e mulheres, juízes. Como é que esta gente dorme? Não sei dizer.