No Irão, há um nome que se ouviu em 2022 e que não se voltou a esquecer. Nem mesmo agora, em 2024. Um nome que deu força a manifestações por todo o território iraniano e ao redor do mundo. Um nome homenageado por milhares de pessoas, que se tornou também rosto do movimento “Mulher Vida Liberdade”. Um nome feito palavra de ordem: Mahsa Amini.
Morta às mãos da polícia da moralidade iraniana em 2022, com apenas 22 anos, Mahsa Amini foi detida por ter uma pequena mecha de cabelo a descoberto, sendo acusada de usar inadequadamente o hijab (véu islâmico). Em custódia policial, foi agredida com violência e, quando seguiu para o hospital onde viria a morrer, já ia em coma.
A sua morte foi a faísca de uma revolta que assolou o Irão. Em protesto, as mulheres queimaram os hijabs e cortaram o cabelo, contestando as leis abusivas da obrigatoriedade do uso do véu impostas pelo sistema da República Islâmica. Carregaram consigo a fotografia e o nome de Mahsa Amini, inspirando uma onda de indignação e solidariedade além-fronteiras. A elas, juntaram-se os seus companheiros, pais, irmãos e filhos, numa luta unida pela mudança, pela liberdade e pelo fim da repressão generalizada. Muitos perceberam que o futuro próspero do Irão só pode florescer com mulheres livres e com o direito à liberdade de expressão consolidado.
A luta por este futuro foi recebida com violência pelas forças de segurança iranianas, que recorreram a espancamentos, à utilização de munições reais e a detenções ilegais para dispersar as manifestações e pôr termo aos movimentos contestatários. Centenas de mulheres, crianças e homens morreram apenas por procurarem usufruir pacificamente do seu direito à liberdade de expressão. Outros, eram meros observadores: pessoas que, sem saberem, passavam pelos locais dos protestos à pior hora possível. Outros ainda, como a médica Aida Rostami, “desapareceram” e foram mortos após socorrer manifestantes feridos em bairros para evitar que estes se deslocassem aos hospitais e aí fossem detidos.
Milhares de pessoas permanecem detidas ilegalmente, enfrentando ameaças, tortura e abusos sexuais para forçar uma “confissão”: a violência sexual perpetrada pelos agentes dos serviços secretos e de segurança do Irão tem mesmo vitimizado crianças de apenas 12 anos.
É sob condições desumanas, e sem acesso a cuidados de saúde, que aguardam por julgamento. Depois de toda a espera, há quem seja submetido a julgamentos fraudulentos com condenações a pena de morte, um tipo de sentença usada como arma de silenciamento, terror e desmobilização. Mas o Irão tem-nos ensinado que nada cala a revolta e a determinação de um povo.
Nem as prisões são locais de silêncio. Narges Mohammadi, defensora de direitos humanos iraniana e vencedora do Prémio Nobel da Paz de 2023, está presa pelo seu trabalho em prol dos direitos das mulheres, da abolição da pena de morte e do fim do uso da tortura e da violência sexual. É precisamente "atrás dos muros altos e frios de uma prisão", como a própria escreve, que conseguiu redigir e fazer chegar a Oslo uma mensagem sua, lida pelos filhos na cerimónia de entrega do prémio Nobel, a 10 de dezembro de 2023.
Considerada prisioneira de consciência pela Amnistia Internacional, Narges tem enfrentado uma cruel privação de cuidados de saúde. Em 2022, só após sofrer vários ataques cardíacos é que a sua transferência para um hospital fora da prisão foi aprovada, onde foi submetida a uma cirurgia cardíaca de emergência. Contra parecer médico, as autoridades rapidamente obrigaram o seu regresso à prisão. Além do problema cardíaco, tem uma doença pulmonar e necessita de um inalador e medicação regular.
Apesar das dificuldades de saúde, do isolamento prolongado e da tortura, o sofrimento não tem silenciado Narges, nem impedido o seu ativismo. No início de agosto de 2023, foi-lhe adicionado um ano de prisão à sentença por “espalhar propaganda contra o sistema”, devido a documentos que escreveu no interior da prisão e que se tornaram públicos. Neles, Narges detalhava a violência sexual contra mulheres manifestantes detidas durante a revolta “Mulher Vida Liberdade”. A prisão é impiedosa para quem defende os direitos humanos, mas não deixa de ser um local onde a revolta e ativismo encontram formas de resistir.
Irão, um país onde a repressão é ainda dominante e as autoridades a disseminam sobre as vozes de mudança, como se a violência pudesse calar quem luta por uma vida mais digna, livre e justa. Seja sobre as músicas escritas ou os conteúdos publicados, seja nas ruas ou nas prisões, a repressão não calará as vozes que são o futuro do Irão.
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