Em Lisboa, tenho a dependência química do volante. Caminhar do ponto A ao ponto B implica, na maior parte das vezes, irritar solenemente a Greta. Não vou dizer que “epá, não tenho hipótese”. Por vezes, tenho alternativa. Mas muitas outras vezes não tenho. E como eu preciso de rotina, vou quase sempre de carro. Tenho este hábito destrutivo, apesar de já ter acontecido ter meses de trabalho em que posso partilhar as viagens com colegas (conhecem o esquema? Num dia levo eu, no dia a seguir levas tu, a seguir levo eu e a seguir levas tu, depois eu, eu, tu, tu, eu, tu, tu, tu, eu, eu, eu, tu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu porque o teu carro não tem cabo aux e ainda por cima a tua condução assusta-me).
Estando a viver até ao fim do ano em Londres, fui obrigado a largar esse entorpecente que é o automóvel. Não foi por escolha, foi porque nem tive hipótese. Não é que possa retirar qualquer lucro moral desta opção. Aqui vais de metro que te lixas e acabou a conversa. No entanto, essa obrigatoriedade acaba por não se revelar opressiva, porque é agradável andar de transportes aqui. Não é barato, mas é mais do que justo. Diriges-te efetivamente para onde desejas ir, podendo escolher entre várias opções e com a certeza de que dificilmente ficas apeado. Para além disso, é quase sempre mais rápido ir de metro do que de carro. Não há a desculpa do “ah, vou de carro para não demorar 40 minutos a chegar aí”. Não, não. Vou de metro porque estou com pressa.
É que aqui o metro é como uma música nas rádio: se demorar mais do que 5 minutos é porque alguém faleceu. Já em Lisboa, o metro é uma espécie de messias que podemos acreditar que há-de aparecer, mas nunca prever a altura em que isso acontecerá. Aliás, o metro em Lisboa está envolto numa série de mitos, um dos quais a infame “estação de Arroios”. A estação de Arroios está encerrada desde julho de 2017. Vai abrir, segundo as mais recentes previsões, em “meados de 2021”. Todos sabemos o que significa a palavra “meados”. “Meados” está para as datas como “cerca de” está para o dinheiro. São só bengalas de quem não faz ideia do que está a fazer.
Os “Este comboio não pára em Arroios”, sinédoque para a ineficiência na mobilidade em Portugal, são muitos. Mas Arroios é Arroios. A estação de Arroios foi a paixão que fugiu, cujo regresso aguardamos em vão, entre superficiais rebounds com Alameda ou Intendente. Uma trágica história de amor. Imaginemos quão mais trágico isto seria se esta estação, sei lá, servisse o quilómetro quadrado mais populoso do país. O quê? Diga? Serve mesmo? Ah. Vou só ali enfiar uma perna entre a carruagem e a plataforma.
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