Estamos em pleno Inverno demográfico e, apesar das notícias animadoras que nos dizem que no ano passado nasceram mais bebés em Portugal, nada nos garante que isso seja o início de inversão da tendência que se arrasta há décadas. O relatório "Determinantes da Fecundidade em Portugal", realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pelo Instituto Nacional de Estatística - declaração de interesses: integrei a equipa que, a partir desse documento, criou e produziu a obra digital Nascer em Portugal - foi à procura das motivações que nos levam a ter ou não ter (mais) filhos.
As questões económicas e financeiras são importantes, naturalmente. Se no passado - perdoem-me o linguajar economicista - os filhos eram um activo representado em mais braços para ajudar nas actividades familiares, hoje são um passivo a quem queremos proporcionar todo o conforto e condições para serem excelentes pessoas e profissionais realizados. Mas são, naturalmente, o passivo mais querido do mundo.
Mas depois há as condicionantes mais imateriais: o tempo que se tem ou não para os acompanhar e ver crescer, a articulação entre o trabalho e a família ou a divisão de tarefas domésticas.
Não é a primeira vez que este tema me ocupa nestas crónicas - em Dezembro escrevi este Quotas e direitos, homens e mulheres e, por coincidência, na mesma altura Luis Aguiar-Conraria escreveu no mesmo sentido no Observador - e agora retomo no ponto em que então acabei.
Atalhando, é bem vindo o alargamento de direitos e benefícios que se começam a discutir - aumento da licença de maternidade para seis meses e paga a 100%, nova licença pré-parto de duas semanas e por aí fora - mas teme-se o impacto que isso possa ter noutro plano importante: a igualdade de tratamento e de oportunidades no local de trabalho.
Sabemos das disparidades salariais que há entre homens e mulheres para tarefas iguais, sabemos da discriminação que há em relação a mulheres grávidas, sabemos como muitos empresários e gestores com visão medieval fazem contas de merceeiro quando se trata de contratar um homem ou uma mulher, sobretudo jovens. Provavelmente, mais cedo ou mais tarde ela vai ter filhos e isso tem óbvias implicações na dedicação às tarefas profissionais.
É estúpido, mas é assim. E isto não se muda numa ou duas gerações. Provavelmente nunca se vai alterar de forma aceitável.
A lei pode fazer muita coisa para tentar equilibrar direitos mas há uma coisa que não pode mudar: a biologia. A gravidez e a amamentação é delas e não deles.
Mas se as regras não mudam a biologia, podem, pelo menos, ajudar a esbater diferenças. Aos olhos dos gestores e empresários de vistas mais curtas, enquanto o "custo" da maternidade for essencialmente da mulher, elas estarão em desvantagem. E quanto mais se aumentar esse "custo" - porque é assim que muitos vêem alguns direitos - maior será a desvantagem delas.
Tão importante como alargar licenças de maternidade seria obrigar - sim, obrigar - o pai a gozar idêntica ausência do trabalho. Não é fácil? Pois não.
Mas já que se fala tanto da alteração da Taxa Social Única e para tudo e mais alguma coisa será que o Estado não podia usar esse instrumento para tentar anular estas diferenças?
A ideia é simples. É facil saber com mediana exatidão qual é a probabilidade de uma mulher que tem hoje 20 anos ser mãe aos 25, aos 30 ou aos 35. E é fácil, a partir daí, fazer uma estimativa média das ausências e custo laboral associado. Se baixarmos a TSU das mulheres e/ou aumentarmos a dos homens nessa porporção, as motivações economicistas e de vistas curtas na contratação e desenvolvimento de carreiras deixam de fazer sentido, em grande parte. Se as empresas fazem contas aos custos, vamos então jogar com as mesmas regras: tornar os custos salariais das mulheres mais baixos na fatia que reverte para o Estado.
Se ao longo de uma carreira profissional o custo salarial de uma mãe de dois ou três filhos for semelhante ao de um pai com os mesmos dois ou três filhos talvez alguma coisa possa mudar.
Discriminação? Mas ela já é feita nos seguros automóvel - parece que eles batem mais e, por isso, pagam mais - ou nos seguros de saúde e de vida - elas são mais saudáveis e vivem mais anos e, por isso, pagam menos.
Nada, mas nada, terá no futuro um custo maior do que uma população envelhecida como a que estamos a construir.
Outras leituras
- O bom investimento público está aqui. Trás-os-Montes finalmente mais perto.
- Constâncio recusa prestar esclarecimentos sobre a queda do Banif. É o défice democrático de instituições europeias no seu máximo esplendor.
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