Neste último Sábado, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo foi recebido à porta do Centro de Vacinação de Odivelas por manifestantes do delírio. Com cartazes (nos quais se podiam ver nomes de mortos, supostamente vítimas da vacina), gritavam: “assassino, assassino".

O tempo em que os disparates que se dizem nas redes sociais extrapolam para a vida real já chegou a Portugal. Temo que este fenómeno dure mais do que a pandemia. Dificilmente se encontrará uma vacina capaz de combater este flagelo.

Esforço-me por perceber de onde vêm estes pensamentos e atitudes. Tento compreender, tento pôr-me na pele destas pessoas e o que me vem, logo, à cabeça é o desespero.

Tentemos imaginar o que muitos têm passado, desde o início da pandemia. A falta de emprego e, consequentemente, de dinheiro e comida. Podemos dizer que a pandemia nos bateu a todos de igual modo. Contudo, as desigualdades estruturais provam, novamente, o contrário e, desta vez, de uma maneira ainda mais visível e difícil de ignorar.

O tempo passa e nós continuamos a não conseguir encontrar boas notícias no horizonte. O tal desespero começa a instalar-se e nós temos de fazer por compreendê-lo, em vez de partirmos para julgamentos e linchamentos em praça pública.

Ao desespero juntam-se outros "ingredientes", como a possível falta de instrução; líderes nacionais/mundiais que se aproveitam destas fragilidades para fomentar o medo, conquistando o eleitorado com promessas de soluções fáceis para problemas sistémicos e complexos; um governo que, por mais que tentemos ser compreensivos, parece mais desgovernado do que qualquer um de nós, sendo muitas vezes confuso e incoerente; imensos vídeos com teorias da conspiração a circular na Internet. E, assim, chegamos a este ponto.

Nos Estados Unidos foi a invasão do Capitólio. Por aqui, e felizmente, foram apenas uns gritos alucinados. Mas estes gritos já nos conseguem mostrar um pouco do que poderá estar para vir.

Todos temos direito a ter dúvidas, receios, medos até. Temos direito a não querermos aceitar a primeira coisa que nos dizem. No limite, a não nos vacinarmos (embora isto não diga respeito apenas a nós individualmente, mas sim a todos como comunidade).

Importa, pois, ter opiniões bem fundamentadas. Ser do contra pode até ser mais apelativo, mas chega a um momento em que se tem de ser a favor. Um médico e um youtuber não são a mesma coisa. Um site não é necessariamente um jornal.

Há muito por explicar e a Ciência, sendo ela orgânica e não estanque, poderá dar-nos respostas diferentes de dia para dia. Haverá sempre muitos interesses à mistura na indústria farmacêutica, como já se sabe. Mas, ainda assim, nem tudo é uma cabala para nos controlar e enganar. Temos milhares de cientistas que trabalham, incansavelmente, para nos ajudar. Temos, mesmo, um vice-almirante que, perante todas as adversidades, tem feito um trabalho muito bom.

Tenho a certeza de que conseguiremos ultrapassar este mau bocado. Até lá, como diria Carlos Té: “Muito mais é o que nos une / que aquilo que nos separa.”