Ponho ao mesmo nível os escândalos Volkswagen, BES, WikiLeaks, e agora o Panama Papers. Todos nascem do mesmo defeito de fabrico humano: a ambição desmedida. E todos resultam de um mesmo raciocínio: é só um bocadinho, sou só eu, ninguém vai dar por nada.
Quando se revelam, quando se abatem sobre o comum dos mortais, os casos têm um de dois efeitos: ou nos deixam a pensar que somos totós por não fazermos o mesmo; ou nos deixam de rastos por chegarmos a esta fase do desenvolvimento humano e vermos que, afinal, boa parte dos que nos rodeiam são selvagens e aldrabões sem principio nem fim.
Faço parte do segundo grupo, e dou comigo na absurda situação de estar a ver as notícias sobre o Panama Papers ao mesmo tempo que a operadora que me serve ameaça cortar o serviço porque me atrasei no pagamento de uns escassos euros. É a velha máxima dos bancários: quando deves cem euros ao banco, o problema é teu; quando deves um milhão, o problema é do banco. Acrescento: se não quiseres dever, aldraba, corrompe, foge, mente, e no fim, sorri.
Batemos no fundo da ética, da seriedade, e do crédito nos políticos, nos gestores, até mesmo nalguns dos heróis que elegemos no mundo do desporto ou da cultura. Parece que se desmorona a ideia de honestidade associada àqueles que admiramos, ou pelo menos respeitamos. Deixámos de estar apenas no domínio do financiamento partidário, ou das empresas sem escrúpulos, para descermos ao rés-do-chão da existência: ter muito e querer ter mais, a qualquer preço, sem olhar a meios; enganar o Estado e com a mesma desfaçatez enganar clientes, sócios, no limite famílias; viver como se não houvesse regras, leis, como se fosse válida a frase "sem rei nem roque".
Sinceramente, não tenho grande interesse em saber como vai acabar tudo isto, se haverá processos e prisões, responsáveis e casos exemplares - porque o desânimo e o descrédito são mais fortes e mais pesados, derrotam princípios e deixam-nos com poucos argumentos para educar bem os nossos filhos.
Achamos que o terrorismo é condenável e julgamo-nos superiores porque dialogamos e vivemos em (suposta) democracia. Na verdade, a corrupção e os negócios sujos do mundo do dinheiro constituem a nossa forma de exercer terrorismo. São minas em terreno que dizemos limpo. Arrasam países como bombas. E também matam - quando o desespero de um desempregado chega ao suicídio, ou quando o dinheiro não chega para a renda e "em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão".
Cada cêntimo opaco que esteja nos milhões de documentos do Panama Papers foi roubado a um de nós. Ter esta consciência é essencial para entender a gravidade do caso - e para perceber onde chegámos. Chegámos ao fim da linha. Já não há fundo onde bater para que ele desça ainda mais.
Esta semana não passo sem:
Sobre o mega-caso "Panama papers", todos os jornais, e não apenas o Expresso, que integra a equipa da investigação, têm tentado traduzir em miúdos o que parece, e é, de uma complexidade que escapa à maioria. Mas nada como ir à fonte e visitar o site do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. Não é tempo perdido…
Estreia hoje entre nós "Verdade", a obra de estreia na realização do argumentista James Vanderbilt - um filme sobre jornalismo, sobre a investigação no jornalismo, sobre a verdade e a mentira, que parece feito à medida para a semana que estamos a viver. Com a garantia das prestações de Cate Blanchett, Robert Redford e Dennis Quaid, o filme tem por base o livro "Truth and Duty: The Press, the President and the Privilege of Power", de Mary Mapes, a produtora envolvida no caso que ficou conhecido como "Rathergate" (foi protagonizado pelo jornalista Dan Rather, da CBS), conta a história deste escândalo à volta de uma investigação sobre George W. Bush ocorrida em 2004.
Os 40 anos da Constituição da Republica Portuguesa foram assinalados por todos os media nacionais - mas esta reportagem do "Público" leva, para mim, a taça das taças…
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