Em 2018, no XXII Congresso do Partido Socialista, António Costa, numa altura em que precipitadamente se falava de "pedronunismo", disse que não tinha metido "os papéis para a reforma". Quatro anos depois, ficámos a perceber por que razão o primeiro-ministro não tem qualquer pressa em aposentar-se: é que o seu governo quer tirar dinheiro aos reformados. Reformar-se durante o seu próprio governo, o Costa? Só se fosse parvo. E nem é uma questão de estar agarrado ao poder. Quanto muito, está agarrado ao poder de compra.
O problema é que António Costa está convencido de que vai conseguir vender o truque das pensões como algo assistencialista e não austeritário: seria genial - o primeiro governo a convencer o seu povo que uma medida que tira dinheiro, na verdade, dá dinheiro. Tudo esclarecido com um “em 2024, logo se vê”, porque o estado-providência não é vidente. Sabem quando nos dedicamos à leitura quando estamos quase a adormecer e eventualmente perdemos o fio à meada? Foi o que aconteceu a António Costa. O secretário-geral do PS virou a página da austeridade, avançou no livro, chegou ao capítulo da sustentabilidade da Segurança Social, apercebeu-se de que não tinha percebido bem o rumo da história e acabou por voltar à página da austeridade para lê-la de novo.
Nos últimos meses, após conquistar uma maioria absoluta que levá-lo-á a cumprir mais de uma década ao leme do país, António Costa foi frequentemente comparado a Cavaco Silva. A comparação é desleal, porque há uma marcada diferença entre os dois. Para Cavaco Silva, a reforma não chegava para as despesas. Para António Costa, a despesa não chega para as reformas. Nesse sentido, é claro que estamos perante uma reforma velada da Segurança Social. Agora, esta forma de controlar os aumentos das pensões e assim poupar muitos milhões a um frágil sistema é criativa, mas o governo podia ir mais longe. Por exemplo, neste Natal, o executivo devia substituir o subsídio devido à Função Pública por um Amigo Secreto. Em vez de receberem o valor de um ordenado, os funcionários públicos recebiam uma prenda até 10€ oferecida por outro contribuinte. Não dá para grande coisa, mas talvez chegue para um daqueles baralhos de cartas que os mágicos usam. Vendo bem, daria algum jeito para que se fossem habituando aos truques do governo.
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