Quem cresce à beira-mar nem sempre nota quão espantoso é o mar. Mas pensemos numa pessoa que cresce no interior sem nunca vir ao litoral. Está habituada a terra firme, a colinas ou montanhas, a rios serenos entre vales e florestas. Se, de repente, chegar à nossa terra, encontra uma paisagem inundada de água! Como se a torneira tivesse ficado aberta durante milhões de anos… Um dilúvio que nunca acabou. Vales, florestas, vulcões, animais — tudo debaixo de água.

Disse que o mar é espantoso. É espantoso à portuguesa — e à espanhola. À portuguesa, porque nos deixa de boca aberta. À espanhola, porque é terrível. Quem vive do mar sabe como se pode transformar numa horrorosa armadilha. Quem navegou ao longo dos séculos também sabia que podia morrer a qualquer momento. É assim o mar — mas, enfim, é assim a vida.

De vez em quando, tenho por hábito mergulhar na origem das palavras. Pois, esta semana, vou à procura da origem de «mar».

A nossa palavra vem, sem grandes surpresas, do latim «mare». A palavra latina deu vários frutos, mas com uma particularidade. «Mar» é palavra masculina em português, tem os dois géneros em castelhano e em catalão, é feminina em francês, é masculina em italiano e volta a ser feminina em romeno. Porquê esta oscilação? É simples: em latim, a palavra era do género neutro — com o desaparecimento deste, as várias línguas latinas tiveram de arrumar a palavra num dos géneros que restaram. Os espanhóis não chegaram a decidir-se…

A palavra latina tem primas! Em alemão, temos «Meer», uma das palavras para «mar», em paralelo a «See», que já tem uma origem diferente, paralela ao «sea» inglês. E, sim, o inglês tem «sea» para mar, mas também existe «mere», com a mesma origem que o «Meer» alemão e o «mar» português. «Mere», no entanto, significa ‘lago’ e é uma palavra bastante rara.

Há mais palavras irmãs — ou primas — do nosso mar. No irlandês, podemos chamar «muir» ao mar. No russo, temos «móre». No sânscrito, a palavra original deu origem a «maryādā», que significa ‘costa’ ou ‘limite’, num pequeno salto semântico.

Mas, afinal, de onde vieram as palavras «mar», «Meer», «móre»? Vieram todas da antiga palavra indo-europeia «*móri», que já significava ‘mar’. Quando olho para essa palavra — as coisas em que uma pessoa pensa… — só me lembro de «ó ‘môri, dá-me um beijinho!», dito à beira-mar.

Certamente que «*móri» terá vindo de palavras mais antigas, perdidas no tempo. Afinal — e agora deixo uma teoria que não é fácil de verificar, mas em que todos acreditaremos sem dificuldade — não haverá língua humana sem uma palavra para mar.

Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu livro mais recente é História do Português desde o Big Bang.

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