Desde a Revolução Industrial, em meados do século XIX, o mundo entrou num processo acelerado de consumo de energia, indispensável para o bem-estar e o progresso técnico. Nos primeiros tempos, o combustível imprescindível era o carvão, um recurso que parecia inesgotável e não parecia levantar grandes inconvenientes. A substituição da força física – animal e humana – pela força das máquinas permitiu progressos colossais na escala da produção e nos transportes, com consequências que deixaram as pessoas maravilhadas. Rapidamente, as distâncias encurtaram-se, os bens padronizaram-se e atingiram camadas das populações que viviam na penúria; os países que possuíam acesso ilimitado ao carvão impuseram-se na cena mundial.
No século XX, a electricidade tornou-se a energia mais procurada, mas a electricidade não nasce nas árvores; para a produzir continuou-se a recorrer ao carvão, e depois aos combustíveis fósseis e à força hídrica. Em termos gerais, nesta história simplificada, podemos escolher datas simbólicas: 1914, quando Churchill decidiu que a Royal Navy navegaria a petróleo em vez de carvão; 1881, ainda antes, quando começou a funcionar a primeira barragem hidro-eléctrica, nas cataratas do Niagara. Mas a mais simbólica é a Hoover, no rio Colorado, inaugurada em 1935. (A “nossa” de Castelo do Bode data de 1951.)
Em 1931, o francês George Darrieus inventou a turbina eólica moderna, com uma capacidade em nada comparável com os moinhos de vento que existem desde a antiguidade.
Depois vem a energia nuclear. 1954, foi o ano em que começou a operar a primeira central produtora de electricidade, em Obninsk, na União Soviética. Foi também nesse ano que abriu a primeira central ainda em operação em 2022, Beznau, na Suíça, que, aliás, tem mais duas expansões, uma de 1969 e outra de 1972. Em 1956, abriu a primeira central em larga escala, em Calder Hall, no Reino Unido.
Passando instantaneamente ao tempo presente, temos então cinco formas disponíveis de produção de energia: carvão, fósseis (petróleo e gás), água, vento e fissão nuclear.
O carvão está condenado, dizem os especialistas – não só os ecologistas, mas também as empresas energéticas sempre em busca de maior rentabilidade. Está condenado, mas não está morto, antes pelo contrário; os maiores extractores – China, Índia e Estados Unidos à cabeça – estão muito longe de abandonar o carvão, porque é barato e porque substituí-lo tem custos impraticáveis. Países tão diferentes (em tudo) como a Rússia, a Austrália, a Polónia e a Colômbia, nem sequer se querem comprometer a um horizonte “descarbonizado”.
Quanto aos fósseis, nem vale a pena sonhar com a extinção do seu uso, ou mesmo redução notável. É essencial para cozinhar alimentos, aquecer casas e energizar indústrias. Há muitos compromissos assumidos, todos igualmente manhosos e ridículos (chegar aos níveis pré-industriais em 2030 ou 2050? Devem estar a gozar!).
Quando se fala em fósseis, as pessoas pensam logo nos carros, carrinhas e camionetas. E a solução seria electrificar estes veículos; a indústria automóvel está a converter-se rapidamente. Mas há que levar dois óbices em consideração; primeiro, os novos veículos eléctricos não vão substituir os com motores convencionais – serão precisas décadas até que os primeiros venham a substituir totalmente a frota de mil trezentos e vinte milhões de queimadores de petróleo que actualmente andam por aí. Para não falar nos 5.500 navios de carga que formam a cadeia global de transporte de bens.
Segundo, como já dissemos, a electricidade não surge por geração espontânea; para produzi-la é preciso recorrer a uma das outras fontes, além de que as baterias onde se armazena têm componentes ainda mais poluidores.
Next: a água. Ah, as maravilhosas barragens, tão bonitas! Contudo, as barragens têm a inimizade ilimitada dos ecologistas, pois provocam alterações piramidais na bucólica paisagem natural. Além desse ódio, que hoje em dia não é desprezível (os ecologistas são cada vez mais e também votam), nem todas as geografias permitem a construção de barragens, o que as torna uma fonte negligenciável em muitas regiões. Nunca poderá haver barragens suficientes para suprir o consumo mundial de electricidade, isto sem contar com a seca das albufeiras. Há experiências interessantes na produção de energia hídrica pelo movimento das ondas, mas estamos a anos-luz de quantidades significativas.
Então, o vento. Também são bonitas, as torres eólicas. Mas só funcionam quando há vento, e o vento não é síncrono com o consumo de electricidade. Uma vez que a electricidade não se pode armazenar em grandes quantidades, dá-se a situação de numa acalmia as pessoas ficarem sem luz... Aliás, até a “presidenta” do Brasil, Dilma Roussef, foi ridicularizada à época num discurso em que disse “podemos estocar vento”.
É verdade, podemos. Como? Estocando-o como água. As eólicas, quando activas, põem em movimento bombas que puxam a água que passou nas barragens de volta para as albufeiras. O sistema funciona e até é usado em Portugal. Contudo, em termos de escala, não chega para as necessidades.
E assim chegamos à besta dos infernos, a fissão nuclear. Seria uma solução limpa e com produção ilimitada. Seria? Neste momento é o que se discute na Europa. Macron, o francês, acha que é a solução. Scholtz, o alemão, acha que nem pensar. Numa altura em que a Alemanha está a desmantelar as suas três centrais remanescentes, apesar de depender do gás russo para viver, a França propõe-se aumentar as suas 54 em operação. A discussão está na ordem do dia, mas é uma discussão que existe desde a década de 1950, quando se conseguiu produzir electricidade a partir de urânio. O que não impede que existam actualmente 448 reactores nucleares “pacíficos” em funcionamento.
Há um colossal preconceito contra o uso da energia nuclear. Em parte, é psicológico; a fissão do átomo começou a ser usada para fazer bombas. Ninguém se esquece de Hiroshima e Nagasaki, nem da assustadora “corrida nuclear” da Guerra Fria, em que Estados Unidos e União Soviética competiam a ver quem fazia mais bombas. E hoje, em que estes dois países e a China continuam a ter muitas bombas, mas não falam em corrida, nações muito mais pequenas e perigosas, como a Coreia do Norte, Paquistão e Israel, entre outros, estão empenhados nesta produção diabólica.
O outro preconceito é prático: uma central nuclear é uma bomba perigosíssima. Provas? Three Mile Island (1979), Chernobyl (1986) e Fukushima (2011). O primeiro caso não passou de um susto, mas os outros dois “acidentes” tiveram consequências catastróficas. Pode alegar-se que Chernobyl foi provocada por incúria, mas a incúria é uma característica da natureza humana, e nada garante que não ocorra noutros locais. Quanto a Fukushima, foi resultado de um “fenómeno” natural, mas os fenómenos naturais acontecem todos os dias.
O argumento contra este preconceito é estatístico: são três acidentes num universo de 448 unidades: 0,7% de perigo. É mais arriscado viajar de automóvel ou de avião, para não falar nos acidentes domésticos. Além disso, a tecnologia evolui constantemente e hoje em dia os mecanismos de segurança, mesmo contra desastres naturais, são mais eficientes do que em 1979, 86, ou 2011.
Há ainda a questão do lixo nuclear. Contudo, os resíduos da fissão podem ser enterrados no Antártico, ou a grande profundidade em contentores blindados. São certamente menos ameaçadores do que o lixo do plástico – que forma um continente do tamanho da França à deriva no oceano – ou a poluição do metano, do gás carbónico e de todas as outras porcarias que largamos na terra, mar e ar. A poluição nuclear é infinitamente mais pequena, mesmo a longo prazo, do que as outras poluições actuais, sempre crescentes.
A discussão está a decorrer. Quaisquer que sejam as conclusões, uma coisa é certa: sete mil milhões de humanos não conseguem viver em 510 milhões de quilómetros quadrados (água inclusive) sem deixar estragar o meio que os sustenta.
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