Senti-me, confesso-vos sem grande drama, muito crescida, muito zen, muito próxima do Buda na montanha, a olhar para o mundo com olhos de calma e espanto. Não posso dizer que não me tenha feito falta, que não pensei nele com aquela naturalidade de quem passa, afinal, uma série de horas com o aparelho por perto. “Toda a minha vida está no telemóvel, se isso me acontecesse, morria”, disseram-me. Esta pessoa não morreria, claro, mas talvez não ficasse em paz como eu fiquei. De repente, não ter telemóvel pareceu-me uma coisa saudável para o fim-de-semana (a complacência terminou na segunda-feira, por ter compromissos de trabalho e saber que teria mensagens para ler).

Não tendo o telemóvel ligado o WhatsApp foi-se, não havia como ver mensagens. Ou verificar a temperatura do ar. Ou ir directo à aplicação do banco, para ver se me safo com esta ou outra compra. Não havia como falar com uma série de pessoas cujo número não sei de cor. Aliás, para ser sincera, sei o da minha mãe, do meu marido e mais nada. Sim, heresia, não sei o telemóvel dos meus filhos. As pessoas à volta, cheias de solicitude e boa-vontade, diziam-me que fizesse geolocalização no computador. Não dava, estava desligado. E a razão para o ter desligado era válida: uma amiga tinha uma apresentação de mestrado e eu queria estar focada a 100% no trabalho dela, era o dia dela.

Desliguei o telemóvel e depois a vida meteu-se e fez das suas. Podia ter ficado aqui ou ali, podia ter sido roubado, podia ter ficado no casaco... o que interessa? Tinha desaparecido e nada havia a fazer. Ainda tentei ir a um centro comercial, mas as novas regras ditam horários aos quais não estou habituada e, claro, dei com o nariz na porta. Pouco importa, fora de Lisboa não havia solução e entretive-me a ver arte e a pensar no que o mundo mudou. Na segunda-feira, já com o telemóvel na mão, suspirei com certo alívio. E, ao mesmo tempo, com a resignação de quem se sabe controlada por esta coisa que está na nossa mão, no nosso bolso, e que combate a solidão só por existir. Será que combate? Vivemos numa tremenda ilusão, se acreditarmos nisso.