Mandam os bons costumes que, quando recebemos convidados em casa, vamos buscar cadeiras e os convidemos a sentar. Se isto é verdade para o cidadão comum, mais o é em diplomacia internacional.

Contudo, há um mês, durante a visita dos líderes da União Europeia à Turquia, aparentemente esgotaram-se as cadeiras, e a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, teve de tomar o lugar no sofá enquanto o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, tomou a cadeira.

Sabendo que esta visita não foi certamente uma surpresa, e que mesmo que fosse, não haveria escassez de cadeiras para dar e vender, resta apenas uma opção: temos de considerar que esta falha foi propositada.

Mas porquê? A resposta fácil, confortável e que corrobora a agenda atual, é a lógica do sexismo. O histórico de violações de Direitos Humanos pela Turquia podia até justificar o desrespeito para com uma líder feminina. Mas não estaremos a colocar o sexo na política externa quando na realidade estamos a lidar com questões de poder?

É certo que no passado, líderes europeus visitaram a Turquia e foi observado o protocolo necessário. Mas será que no passado líderes femininas de outros Estados foram desrespeitadas? Ou a questão não é o sexo da Presidente da Comissão, mas sim a instituição que esta representa?

Em 2017, quando Theresa May, agora ex-Primeira Ministra do Reino Unido, visitou a Turquia, não foi relegada a um sofá. Do mesmo modo, em 2019, aquando da visita de Estado da agora ex-Presidente de Malta, Marie Louise Coleiro Preca, foi observado o protocolo regular. E em 2020, quando Kelly Craft, Representante dos EUA à ONU visitou a Turquia, esta também não foi remetida a um sofá. A lista podia continuar, mas o ponto é: não estaremos nós a camuflar uma questão de poder com o sexo da nossa representante?

A narrativa do sexismo cai melhor, salva a face da União Europeia e ainda diminui o impacto da vergonha causada, mas para quem se atreve a ver além da narrativa de tabloide, este “sofagate” diz mais sobre a União Europeia do que sobre a Turquia.

Primeiro porque expõe tensões e dependências geopolíticas que a União prefere esconder, tardando em se afirmar como “global player” relevante, e confirmando os insultos do Presidente turco Recep Tayyip Erdogan, quando em 2017 chamou à Europa de o novo “sick man”, (homem velho). Similarmente, evidencia um problema institucional da UE: Por todo o mérito que o Projeto Europeu merece e lhe devemos reconhecer, continua a ter falhas e o seu sistema híbrido continua a mistificar líderes de todo o mundo, “potenciando incidentes diplomáticos”. A antiga questão de Henry Kissinger “Who do I call if I want to call Europe?” (A quem ligo se quiser falar com a Europa?), que aparentemente tinha sido resolvida pela criação do cargo de Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, afinal persiste, e a liderança da UE continua dispersa.

E isto foi evidente na atitude de Charles Michel que poderia ter tomado a atitude correta de cavalheiro e cedido o seu lugar à sua colega, não só para a salvar do embaraço, mas para salvar a União Europeia da afronta. Contudo na hora da verdade, a força dos líderes europeus, homens ou mulheres, fraquejou e ficaram apenas perplexos.

A Turquia meramente soube ver estas fraquezas e capitalizou-as para a sua vantagem, convidou a União Europeia a jogar o jogo das cadeiras, e quando a música terminou, quem acabou sentada no chão foi a UE.