Adoro livrarias. Não sei quando é que isto surgiu, como é que começou, quem devo culpar. Calculo que o facto de os meus pais me terem levado a uma certa cadeia pseudo-vendedora de livros num certo centro comercial da margem Sul, fim-de-semana após fim-de-semana nos anos em que comecei a ler, tenha alguma coisa a ver com o assunto. Ou talvez seja porque cresci numa casa onde quase tivemos de pôr a família a dormir na rua, para poder enfiar todos os nossos livros do lado de dentro. Ou talvez seja porque uma preferência pessoal é uma preferência pessoal; ponto. Na impossibilidade de alguma vez poder confirmar qualquer suspeita, o que interessa não precisa de explicação: eu adoro livrarias, entrar em livrarias, explorar livrarias, descobrir novas livrarias. E, é claro, tenho muitas saudades de entrar numa.
No meu imaginário, as livrarias ainda são lugares onde olho de baixo para cima, onde serei sempre demasiado pequena e insignificante, e onde me restará ser humilde perante o peso das palavras, da escrita e do conhecimento alheios. Ao mesmo tempo, também são um refúgio. As livrarias, tal como as bibliotecas, dão-nos esperança. Quando entro numa, penso… Pode ser que as respostas que procuro se encontrem no meio daqueles volumes e estantes, ou que, não encontrando mais do que novas perguntas, seja possível procurar sentidos alternativos para a minha existência, ou pode ser, ainda, que encontre uma distracção leve para quando não me apetecer fazer mais nada.
Cada vez que viajo para novas paragens, seja em Portugal ou no estrangeiro, a minha prioridade é fazer uma rota das livrarias. Acima de tudo, fascinam-me as livrarias independentes e as de livros em segunda mão, obviamente nunca discriminando as mais comerciais. Acredito que, em geral, podemos descobrir as cidades e os seus habitantes através das características das suas livrarias.
Já mencionei que tenho saudades de entrar em livrarias?
A última vez que entrei numa livraria deve ter sido no Verão passado, quando fiz uma visita à Arquivo, em Leiria, ainda a sentir os efeitos da privação livreira do primeiro confinamento e com medo de um segundo, portanto sem caber em mim de entusiasmo. Como uma tartaruga que tivesse permanecido debaixo da terra em hibernação durante um longo Inverno, entrar numa livraria dava-me uma sensação de liberdade, alegria e normalidade que, infelizmente, não voltei a sentir desde então.
Sem surpresa, a decisão de ir mantendo as livrarias fechadas durante o segundo confinamento parece-me exagerada, mal pensada e mal gerida. Acima de tudo, é triste e revoltante que espaços que reúnem tantas ou mais condições de higiene e distanciamento que um supermercado, uma papelaria ou uma padaria não possam abrir as suas portas, pelo menos ao postigo. Numa altura das nossas vidas que se caracteriza por tantos sacrifícios, dor e afastamento, nem o consolo de um livro recém-adquirido nos é permitido.
Só espero que as livrarias e as actividades relacionadas com a produção, compra e venda de livros sobrevivam a esta crise. Preocupo-me principalmente com as livrarias pequenas, locais, que tanta diferença podem fazer na geografia em que se inserem. Além da importância “pessoal e intransmissível” que as livrarias têm na vida de cada um de nós, não nos devemos esquecer do seu papel social, político e comunitário (entre outros), um papel que jamais poderá ser desempenhado plenamente pela interacção ou comércio online.
Assim sendo, só nos resta mesmo aguardar por um decreto-lei que, como pede a Rede de Livrarias Independentes (RELI), classifique os livros como bens de primeira necessidade, e que reconheça as livrarias como bens fundamentais. À semelhança do corpo, também a mente se deve manter alimentada e equilibrada em tempos pandémicos, uma prioridade que, por este e mil outros motivos, parece não fazer parte da lista dos nossos governantes.
*Beatriz Canas Mendes escreve ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
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