Têm sido anos cinzentos para o mundo das redes sociais. Durante algum tempo, o alvo de contestação foi a Meta (dona do Facebook e do Instagram), que após uma série de casos, desde apropriação de dados pessoais com o Cambridge Analytica às políticas de moderação de conteúdo com temas como o Covid-19 ou eleições, teve de trabalhar para recuperar a sua imagem e credibilidade. Um rebranding passou a remeter para o metaverso, apesar de não haver muita obra para demonstrar nesse departamento, mas esse assunto fica para outras núpcias.
Felizmente ou infelizmente, passados alguns meses da Meta passar a ser Meta, foi a ovelha negra das redes sociais — o Twitter — que passou a ser o objeto de frustração de milhões de utilizadores. A liderança e postura de Elon Musk, bem como a sua decisão de reformular as dinâmicas da plataforma para criar um modelo de negócio extra-publicidade deixaram muitas pessoas insatisfeitas e levaram, inclusive, a que muitas marcas interrompessem o investimento em comunicação destinado ao Twitter. A consequência disso? Abriu uma janela de oportunidade para outras plataformas que quisessem abraçar o desafio de substituir a rede social como pólo de discussão e definição dos temas do momento, da política à cultura pop.
Os problemas enfrentados (ou criados) pela Meta, pelo Twitter e até pelo TikTok têm levado a novas vagas de talento e de financiamento para novas plataformas que os procurem resolver (e, se tudo correr bem, não vão cair nos mesmos vícios de um modelo dependente da rentabilização dos dados de utilizadores). Dito isto, este período tem sido marcado pelo aparecimento de vários serviços que procuram ser o próximo "digitem qualquer rede social" com diferentes graus de sucesso: o BeReal teve tração, mas ainda não descobriu como pode fazer dinheiro; o Mastodon mostrou-se demasiado complicado de usar para ocupar o lugar do Twitter; outros nem atingiram escala suficiente para a candidatura lhes ser reconhecida.
É essa a parte complexa de uma rede social. Não basta ser bonita e ter funcionalidades incríveis, é preciso haver uma razão para lá passar tempo; seja porque estão lá os nossos amigos ou seja porque é lá que estão as personalidades que queremos seguir. É aqui que a maior parte delas falha.
Um incrível céu azul
No meio destas águas turbulentas, a Bluesky quer ser o novo Twitter e tem algumas condicionantes que lhe podem ser favoráveis. No fim de semana, a rede social descentralizada disparou em popularidade ao ultrapassar os 50 mil utilizadores na sua fase beta, apenas através de convites individuais. Mas esqueçamos por momentos o rápido feito ou mesmo o facto de a plataforma ter como base um protocolo desenvolvido numa blockchain.
A apoiar o projeto — que conta com 13 milhões de dólares em investimento — está um financiador que sabe uma coisa ou duas sobre redes sociais e sobre o próprio Twitter. Trata-se de Jack Dorsey, o seu fundador e CEO até há pouco tempo, que viu na plataforma uma oportunidade de regressar aos primórdios do Twitter, numa altura em que este não era uma rede social a precisar de dar lucro, mas uma espécie de tubo de ensaio que qualquer developer podia utilizar para desenvolver uma aplicação ou integrar no seu negócio.
Um dos exemplos mais populares foi a Tweetie, a plataforma que introduziu na nossa vida a dinâmica de arrastar o dedo no ecrã para fazer refresh e ter novas publicações. Long story short utilizou a API do Twitter, foi comprada pela empresa e hoje é, nada mais, nada menos, que a app mobile do Twitter que utilizamos nos nossos smartphones.
A Bluesky quer recuperar um pouco desta magia e não parece estar muito interessada em afastar-se do Twitter em termos de experiência do utilizador. Permite criar publicações em texto e imagem numa página principal, sendo que no seu mundo, os "tweets", a "timeline" e o "Trending" são substituídos pelos "skeets", a "skyline" e o "What's Hot".
As redes sociais mais recentes que obtiveram algum sucesso não reinventaram a roda. No entanto, introduziram uma nova dinâmica que captou a atenção dos utilizadores: no TikTok foi o "swipe aleatório" de vídeos verticais com um algoritmo calibrado aos nossos gostos; no caso da BeReal foi singularização de um momento através de uma notificação e da utilização de uma câmara frontal e dianteira em simultâneo.
E, à primeira vista, a Bluesky não tem isto. Além da exclusividade atual, o maior fator diferenciador é mesmo o elemento web3 do seu desenvolvimento: utiliza um protocolo que pode ser utilizado por qualquer pessoa para criar algo novo e ao funcionar de forma descentralizada, garante que não há uma entidade centralizada a coordenar todos os dados que são gerados pela sua utilização. Não é a coisa mais atrativa para uma plataforma que quer ser mainstream, mas não tem de ser um problema. Se calhar, a crescente procura por algo que suplante o Twitter é suficiente para a Bluesky ter uma janela de oportunidade.
Para a aproveitar, contudo, existem alguns desafios pelo caminho que vão determinar o seu potencial sucesso:
Terá de ter uma boa estratégia de aquisição de novos utilizadores quando o esquema de convites deixar de ser uma novidade. Se não o fizer, irá enfrentar uma situação parecida à do Clubhouse que, depois de um hype inicial, acabou por não corresponder às expectativas.
Simplificar ao máximo o acesso à plataforma. Um dos apontamentos mais comuns às plataformas web3 é a complexidade na utilização, por isso, idealmente, quanto menos as pessoas derem pela blockchain, melhor.
Encontrar modelo de negócio. Se não for a publicidade ou serviços de subscrição, o que pode ser?
Sendo uma rede social descentralizada, como é que poderá garantir uma moderação de conteúdo eficaz? Neste âmbito, poderá ser necessário algum tipo de centralização na tomada de decisões.
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