Eis os pontos essenciais deste processo:
Quando surgiu a proposta
Apresentado em 2016 pela Comissão Europeia, o texto da proposta da diretiva, alvo de intensa polémica, tem vindo a ser discutido e alterado ao longo dos anos, e só no final do ano passado o Conselho da UE e o Parlamento Europeu apresentaram as respetivas versões para negociarem o documento em “trílogo”.
A diretiva foi criada para proteger a titularidade dos conteúdos de artistas, músicos, escritores e jornalistas na internet, criando regras para a utilização do seu trabalho por terceiros.
Estão, assim, em causa instrumentos para a renegociação dos contratos, compensações financeiras a suportar por quem usar conteúdos sem ser para fins privados, e o controlo do material que é partilhado por utilizadores nas plataformas ‘online’.
O objetivo é que a diretiva incida, principalmente, sobre as gigantes tecnológicas como Facebook, Google e YouTube, que passam a ter responsabilidades para assegurar o respeito pelos direitos de autor.
Quais os artigos polémicos
Os artigos polémicos desta diretiva são o 11.º e o 13.º: enquanto o artigo 11.º diz respeito à proteção de publicações de imprensa para utilizações digitais, prevendo um pagamento a essa mesma publicação na partilha de ‘links’ ou de referências, o artigo 13.º prevê a criação de um mecanismo para controlar o material que é carregado nas plataformas por parte dos utilizadores, sistema este que tem sido muito criticado por não conseguir distinguir um uso legal (como a citação) de uma utilização ilegal.
O que dificultou o acordo
Foi a diferente visão dos países representados no Conselho da UE - nomeadamente sobre os artigos 11.º e 13.º - que dificultou, nas últimas semanas, o acordo agora alcançado, e que chegou a estar previsto para janeiro deste ano.
Isto porque, dentro daquela estrutura, havia países que queriam regras mais exigentes e outros que preferiam normas mais ligeiras.
Portugal nunca chegou a divulgar, oficialmente, a sua posição. A agência Lusa questionou o Ministério da Cultura, mas não obteve resposta.
Quais os passos que antecederam o acordo
No final de janeiro deste ano, os Estados-membros ainda não tinham chegado a acordo sobre esta diretiva no âmbito do Conselho da UE.
Na altura, numa resposta escrita enviada à Lusa, a presidência romena da UE explicava que o Conselho estava “a refletir” para chegar a uma “posição sólida”.
A presidência romena indicava que, apesar de a proposta para a diretiva dos direitos de autor “trazer muitos benefícios para o Mercado Único Digital”, também apresentava “muitas ramificações”, pelo que seria necessário mais tempo.
O consenso entre os países só aconteceu na sexta-feira passada, numa reunião do Comité de Representantes Permanentes da União Europeia (COREPER), composto pelos representantes dos Estados-membros da UE em Bruxelas, ocasião na qual a presidência romena foi mandatada para iniciar as negociações em “trílogo”.
Essas negociações, com a Comissão e o Parlamento Europeu, arrancaram esta segunda-feira e terminaram na quarta-feira.
O documento que o Conselho levou ao “trílogo” tinha, contudo, alterações, que resultavam de um acordo entre França e Alemanha, dois dos países com mais poder naquela estrutura.
O que mudou com o acordo franco-alemão
A versão final da diretiva, que resultou de um acordo entre França e a Alemanha no Conselho da UE, passou a prever que, no artigo 11.º, haja exceções para o uso privado de palavras únicas ou de frases curtas.
No que toca ao artigo 13.º, passou a estipular que todas as plataformas ‘online’, incluindo as plataformas sem fins lucrativos, tenham de instalar um sistema para controlar o material que é carregado pelos utilizadores.
Excetuam-se as plataformas que tenham um volume de negócios anual abaixo dos dez milhões de euros (consideradas como micro e pequenas empresas), menos de cinco milhões de visitantes por mês e estejam ‘online’ há menos de três anos.
O que não vai mudar
Uma das principais preocupações dos utilizadores das plataformas tem sido a limitação da livre partilha de conteúdos.
Ficou estipulado que conteúdos como os ‘memes’ ou os ‘gifs’, que são imagens de humor criadas pelos utilizadores, não serão afetados pela nova diretiva.
O mesmo acontece com pequenos excertos de notícias, que continuarão a poder ser partilhados, desde que seja apenas para uso privado.
Também as plataformas sem objetivos comerciais, como a Wikipédia ou outras de desenvolvimento aberto, estão excluídas das novas regras.
Por seu lado, as ‘startups’ (empresas de fase inicial ou com potencial de crescimento rápido) terão obrigações mais ligeiras.
Nos restantes casos, grandes plataformas como o YouTube e o Facebook passarão a ter mais responsabilidades para assegurar o respeito pela titularidade dos conteúdos, pelo que terão de instalar um sistema que o monitorize e pagar aos artistas pelos seus direitos de autor.
O que pensam os visados
O documento tem vindo a ser muito criticado por artistas, associações do setor e até por gigantes tecnológicas, como a Google.
Numa mensagem divulgada em meados de janeiro aos seus utilizadores, a Google pedia “uma forma melhor de atualizar as regras de direitos de autor na Europa”, além da que está em cima da mesa.
“A versão que está a ser proposta […] pode fazer com que serviços como o YouTube e a pesquisa Google limitem a variedade de conteúdo que apresentam”, alertava aquela companhia, dona também do canal de vídeos ‘online’.
Antes, em dezembro passado, cerca de 20 pessoas manifestaram-se em Lisboa contra a nova diretiva.
Na ocasião, o organizador do protesto, Cláudio Fonseca, disse à Lusa que os artigos 11.º e 13.º representam “o fim da Internet como hoje a conhecemos, em que o botão de ‘partilha’ faz todo o sentido”.
“Por exemplo, se eu tirasse uma fotografia desta manifestação e alguém depois a partilhasse, o artigo 13.º iria permitir criar um filtro que bloqueia, pois havia direitos de autor que são meus, e essa pessoa ficaria condicionada”, exemplificou o também ‘podcaster’.
Tito Rendas, doutorando na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e ex-investigador no Max Planck Institute for Innovation and Competition afirmou à Lusa na ocasião que o artigo 13.º abre portas a uma “censura prévia”.
Contudo, ressalvou que esta menção “não é rigorosa”, pois o termo censura remete para o ambiente político, preferindo que se veja como “potencialmente violadora dos direitos de autor”.
Para Tito Rendas, o artigo 13.º reforça, ainda assim “o poder de negociação, obrigando estas plataformas a celebrar acordos de licenciamento com os titulares de direitos”.
Entretanto, no final de janeiro deste ano, organizações de media europeus, entre as quais a Aliança Europeia de Agências Noticiosas, instaram a chanceler alemã e o Presidente francês "a agir agora" para alcançar acordo sobre a diretiva europeia dos direitos de autor.
As organizações pediam, assim, um acordo para “não pôr em risco a reforma, que é a chave para assegurar a sustentabilidade de uma imprensa livre e independente, a qual está no coração" das democracias.
Já esta semana, 28 associações europeias de escritores, músicos, autores, intérpretes e outros artistas enviaram uma carta conjunta aos negociadores do “trílogo” dizendo ser “tempo de melhorar e adotar a nova diretiva”, por se assistir a uma “grande incerteza jurídica” sobre direitos de autor na internet e a dificuldades em “obter uma remuneração justa”.
“A presente diretiva procura criar condições de concorrência necessárias para todos os setores criativos do mercado único digital europeu, proporcionando aos consumidores um melhor acesso a mais conteúdos num ambiente seguro”, pelo que “não a adotar significaria perder uma oportunidade histórica”, afirmava a missiva, a que a Lusa teve acesso.
Quais os principais atores
Dois dos principais atores nestas negociações têm sido os eurodeputados Axel Voss e Julia Reda, que espelham as duas principais opiniões sobre a nova diretiva.
Reagindo hoje ao acordo alcançado na quarta-feira à noite, o eurodeputado relator da nova diretiva dos direitos de autor, Axel Voss, afirmou que o Parlamento Europeu queria “mais, mas isso não foi possível pelas negociações”.
Falando em conferência de imprensa em Estrasburgo, França, à margem da sessão plenária do Parlamento Europeu, o eurodeputado do PPE considerou, ainda assim, que foi alcançada “uma solução adequada”, que “coloca a responsabilidade sobre as grandes plataformas”, protegendo as de menor dimensão.
Menos otimista está a deputada Julia Reda, do Partido Pirata da Alemanha, integrada no Grupo dos Verdes/Aliança Livre.
Num comunicado enviado à Lusa na quarta-feira à noite, a eurodeputada lamentou que este acordo seja um “golpe para a internet gratuita”, apresentando versões “preocupantes” e “mais negativas” dos artigos 11.º e 13.º face ao que estava inicialmente proposto.
Julia Reda prometeu, aquando da discussão final em plenário no Parlamento Europeu, “lutar para excluir a legislação fiscal [artigo 11.º] e os filtros para carregamentos [artigo 13.º]”.
Quais os próximos passos
Após o acordo, falta agora a aprovação por parte do Parlamento Europeu e do Conselho da UE.
Fontes ligadas ao processo disseram à Lusa que a votação deverá ocorrer até meados de abril.
Esta é a data prevista já que, no final de maio, existem eleições para o Parlamento Europeu.
Porém, o prazo poderá eventualmente estender-se e não ser respeitado no Conselho da UE, dado que a atual presidência rotativa, a romena, só termina a 30 de junho.
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