Nesta segunda edição do Rock in Rio Innovation Week 2019, o desafio era fazer deste evento — espalhado por quatro dias, de 2 a 5 de julho, e desdobrado em dezenas de atividades diferentes — uma experiência centrada nas potencialidades do indivíduo. Para tal, a organização procurou fazer do cartaz uma estrutura dividida em três vetores: conexão, experimentação, inspiração. Todas elas, com o intuito de fazer da participação de cada um o mais rica possível.
No primeiro dia do Rock in Rio Innovation Week, o tónico da conexão foi dado no feminino, com uma sessão de networking organizada por Marta Leite Castro, que teve como foco a apresentação de uma webseries chamada “Business Women”, a estrear em colaboração com o SAPO. Foi com histórias inspiradoras de mulheres de sucesso que se quis fomentar a partilha de contactos no contentor do rooftop do LACS, contando a ocasião com a presença de Isabel Neves — advogada, Presidente do Business Angels Club de Lisboa e uma das entrevistadas da série — e Filipa Martins, diretora do SAPO.
Ao SAPO24, Marta revelou que o “Business Women” é um projeto ligado à sua plataforma digital N360 Business Stories e que o seu intuito é “inspirar mulheres”. Querendo retirar o foco da “vertente feminista”, Marta diz que a série é para todos os géneros e que quer “demonstrar como determinadas mulheres conseguiram fazer o seu caminho com todos os seus desafios”, pretendendo demonstrar a outras tantas já que “não há desculpas para não conseguirmos”.
Mas o caminho para o sucesso faz-se também das pessoas que se vai conhecendo. “Podes ter o melhor produto ou serviço do mundo e a pessoa mais talentosa ao teu lado, se não te conectares com a pessoa certa, pode ser muito difícil teres sucesso", considera Marta, explicando que é aí onde o networking entra.
Tratando-se esta de uma Innovation Week [Semana de Inovação], Marta explica que estas sessões que vai organizar ao longo dos vários dias — que têm servido de “balão de ensaio” para um projeto chamado “Connecting People”, que pretende adicionar à esfera N360 — têm o condão de trazer personalidades do meio empresarial para um ambiente de networking, num modelo descontraído que quebra a barreira entre o palestrante e a audiência. No entanto, "não é uma sessão de network normal, é conduzida" e “traz-te protagonistas do circuito inteiro, para veres quais são as peças que precisas de juntar [para ter sucesso]”, explica Marta, lembrando que estas sessões vão do futebol à saúde, passando pelo turismo.
No caso em concreto desta sessão, ela “ganhou vida própria” com as perguntas do público quanto ao “Business Women”, sendo que Marta diz ter expectativas “altas” para as próximas.
Há danças que espantam males e atraem ideias
Enquanto no contentor se iam estabelecendo conexões por via da fala, no terraço ao lado era o corpo que servia de ponte entre as pessoas, através de um workshop de Biodanza dado por Nuno Pinto. Um conjunto de praticantes e curiosos foi-se juntando para seguir exercícios — convidados desta forma a soltar as amarras e entregarem-se a práticas de libertação corporal.
Descrito não tanto como uma dança, mas como um conjunto de dinâmicas, o professor explicou ao SAPO24 que este é um “sistema de aprendizagem pelo movimento” cuja principal inovação é “trazer o corpo para o processo pedagógico". Mais do que ser um veículo de expressão lúdica ou até terapeutica, Nuno defende que a Biodanza se posiciona como um contraponto à “tradição das escolas, que é cognitiva, intelectual, e assenta num aprendizado lógico e racional”, procurando “colocar as pessoas em contacto com a capacidade de ter bem-estar, saúde, alegria, de estarem potentes, criativas, inovadoras, utilizando o corpo nesse sentido".
Aos participantes foram-lhes propostos exercícios individuais — como manter uma posição de plenitude quase meditativa ou de força com os braços fletidos e os punhos cerrados —, mas também coletivos. Estes incluíram criar grupos de três elementos em constante movimento a tentar formar um triângulo (para fomentar proximidade e compreensão mútua), colocar toda a gente a alongar-se e a ocupar o maior espaço possível sem interferir com os outros e simplesmente desafiar todos os presentes a dançar da forma mais inovadora quanto possível.
A cada dinâmica, as pessoas foram ficando mais cúmplices e interativas, algo que Nuno diz ser uma das armas da Biodanza. O professor defende que o corpo retém más aprendizagens e vai se retraindo ao longo do tempo, algo que leva os adultos a “precisar desesperadamente de resgatá-lo e de aprender uma nova forma de estar na vida".
Prática já estabelecida há 45 anos, Nuno é professor há 20 numa das três escolas do país e dedicou-se por inteiro a esta área depois de abandonar o mundo corporativo. Por ter estando em ambas as esferas, diz que falta aos profissionais uma relação mais livre com o corpo para serem mais criativos. "Se eu estou aprisionado num corpo que não se move, tenho muito menos facilidade para inovar e criar e tudo mais” defende.
É aí onde, para si, o universo da Biodanza e do mundo empresarial tem o maior elo de ligação, a busca por fugir à norma. “Um criativo, por excelência, é alguém que não segue o pensamento linear, que precisa de romper”, frisa o professor, definindo inovação como “olhar o que não foi visto” por oposição ao “benchmarking, que é inspirar-se no outro e tentar fazer mais ou menos a mesma coisa”. A Biodanza, conclui, pertence à esfera criativa, pois o que as dinâmicas de movimento fazem é “dar permissão às pessoas para olhar de forma diferente”.
“Um adulto criativo é a criança que sobreviveu”
Já que se menciona perspetivas diferentes e rompimento de dogmas, houve um nome a comparecer no Rock in Rio Innovation Week que se tem afirmado como um dos mais originais e pertinentes oradores na área das indústrias da inovação. Depois de ter estado no Porto para uma Ted Talk sobre os desafios da paternidade — e de ter falado com o SAPO24 a propósito disso mesmo — Marcos Piangers deu uma palestra para uma sala cheia, intitulada “Inovação e criatividade: uma espiada no futuro”.
Com recurso ao sentido de humor que lhe é conhecido, o orador brasileiro fez da sua apresentação um manifesto contra o comodismo, a imitação e a tendência para replicar modelos gastos, apontando que o caminho para a inovação se faz através da valorização das pessoas nas suas qualidades humanas e no fomento da sua criatividade, principalmente desde criança.
Apesar de estarmos a atravessar uma era onde temos mais ferramentas que nunca para inovar, Piangers diz que mantemos a mesma tendência de sempre para seguir caminhos já trilhados, pois “vivemos no sonho dos nossos avós. Tudo aquilo que eles imaginavam sobre o futuro é a nossa realidade hoje, é o que vivemos”. Para exemplificar, o orador lembrou como há 20 anos se considerava que “já tudo tinha sido inventado” e que hoje essa mentalidade ainda prevalece, apesar de tudo o que foi criado desde então - dos smartphones ao streaming. “Essa é a minha crítica. Olha-se para a tecnologia e ela parece sagrada”, considerou o escritor.
A consequência, diz, é que as pessoas acabam por seguir uma mentalidade que passa por copiar aquilo que tem sucesso, em vez de seguir o seu próprio rumo. "Tudo o mundo replicando a mesma coisa. Você tem as ferramentas tecnológicas para mostrar quem é, mas só fica imitando o que todo o mundo está fazendo, achando que o segredo do sucesso é a imitação", aponta. Piangers fala neste ponto evocando exemplos de criadores de conteúdos como os youtubers, mas o problema vai mais longe, pois também afeta as empresas.
Ao invés de replicar modelos antigos, Piangers defende que as novas empresas devem começar por identificar o que está errado e solucioná-lo. Como exemplos, falou da Basecamp, uma empresa tecnológica sem escritórios (toda a gente trabalha a partir de casa) nem metas de produtividade, ou a Valve, a produtora de videojogos que não tem uma estrutura hierarquizada. No entanto, o mais interessante caso que apresentou foi o da Dobra, uma produtora de carteiras de papel brasileira onde toda a gente ganha o mesmo salário e que ofereceu os moldes aos clientes para fazerem as suas carteiras. Longe de resultar em perdas, o orador diz que os clientes acabaram por dar feedback sobre como otimizar a produção, ou seja, os responsáveis da Dobra acabaram por contar com “35 mil engenheiros de produto de graça porque foram generosos".
Casos como estes apenas se deram porque houve que deu azo à sua criatividade, algo que Piangers abordou na segunda metade da palestra. Lembrando que as capacidades para ser inovador não são necessariamente técnicas, mas sim de cariz humano — como o pensamento crítico, a inteligência emocional ou a flexibilidade cognitiva —, o orador diz que o atual modelo educacional está em choque com o que se exige para as profissões do futuro.
Com o atual foco no modelo expositivo, em que o professor fala e os alunos ouvem calados, Piangers considera que a escola “tira todo o ímpeto criativo, toda a vontade de viver das crianças”. Entre os vários exemplos dos efeitos nefastos da insistência nessa estratégia, o orador citou um dos mais incisivos, um teste feito por um professor, George Land, para a NASA, onde se descobriu que aos 5 anos as crianças têm níveis de criatividade a rondar os 98%, um número que cai para 2% na população adulta. Por oposição, as grandes empresas já não se focam somente nas habilitações académicas, mas valorizam que os candidatos façam parte desse minúsculo grupo de adultos ainda criativos, pois “o adulto criativo é a criança que sobreviveu”.
Num mundo cada vez mais automatizado, é mais perigoso ainda que as crianças sejam habituadas a copiar e a imitar. É por isso que, apesar de ser uma ânsia antiga aquela de que os robots vão substituir as pessoas, esse não é o real problema para Piangers: é que elas próprias se tornem naquilo que temem. Mas as máquinas só replicam, ao passo que os humanos criam. É de humanidade que se vai fazer o futuro da inovação.
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