É fácil escolher de entre as críticas a este arrojado plano. E de todas as críticas talvez a mais emblemática tenha sido recentemente feita pela estrela de cinema (realizador e ator) Werner Herzog, mais conhecido por encarnar a personagem “The Client” na fabulosa saga do canal de streaming Disney+, "Star Wars The Mandalorian" (a não perder). Mais emblemática porque o argumento é sempre o mesmo e parece fazer sentido: proteger a Terra e esquecer Marte!
Há dias, em resposta a mais uma das apresentações de Elon Musk da sua futurista Mars City (uma cidade autossustentável que segundo Musk, começará ainda a ser construída esta década, e que no futuro poderá albergar até um milhão de habitantes – por volta do ano 2050), a estas afirmações Werner Herzog fez algumas críticas contundentes.
A estrela de Star Wars afirmou à Inverse que colonizar Marte seria inequivocamente um erro, descrevendo a ideia como “uma obscenidade” e reforçando que os humanos “não deveriam ser tratados como os gafanhotos”. Ainda na mesma entrevista, a propósito do lançamento do seu documentário sobre asteróides, Herzog comparou o plano de Musk à ascensão e colapso do comunismo e do fascismo no século XX.
Na óptica da estrela de Mandalorian, a principal preocupação dos humanos deveria ser a de manter o nosso planeta habitável, em vez de tentar colonizar outro.
Curiosamente, para quem fez um documentário sobre asteróides, deveria saber que essa é a primeira razão pela qual é necessário uma Mars City da SpaceX, senão mais do que uma…
Herzog estará (muito provavelmente) enganado sobre a Mars City
Já falámos aqui sobre o vídeo da NASA que nos mostra como as imediações da Terra estão povoadas por asteróides, e que é uma questão de tempo até que um deles passe pelas nossas defesas, provocando um impacto catastrófico. Já aconteceu e vai voltar a acontecer. Aliás, com a actual tecnologia de que dispomos, apenas conseguimos detetar cerca de 30% dos asteróides que se movimentam nas proximidades da Terra.
Para além disso não podemos esquecer que para além dos asteróides que se movimentam dentro do sistema solar, e dos quais tentamos fazer o tracking, podemos deparar também com a hipótese de estar em rota de colisão com a Terra um objeto interestelar (de fora do nosso sistema solar), que tenha uma rota invulgar só podendo ser detetado quando for tarde demais. Isso mesmo aconteceu com o objeto Oumuamua, um asteróide que só foi detetado 3 dias após ter passado nas proximidades da Terra.
Por estas razões a vida inteligente, tal como enunciou Carl Sagan, é demasiado preciosa para estar reduzida apenas a uma localização (neste caso, o planeta Terra).
Mas há mais razões para precisarmos de uma Mars City
Outra das razões é que pura e simplesmente não é possível a Humanidade manter-se indefinidamente na mesma morada, porque os recursos planetários são finitos. Mesmo com um controle de população, os recursos vão-se esgotando (e esse é um tema amplamente falado nos media).
Não sendo possível dar a volta a estes assuntos a longo prazo, vejamos alguns dos prós e contras. Herzog diz que não há água líquida na superfície de Marte. Vejamos o que Elon Musk pensa sobre isso, neste comentário do Twitter:
Depois há a questão da radiação, que poderia matar os seres humanos, mas a NASA parece estar a ultrapassar este assunto, tal como nos explica o vídeo seguinte:
Depois há a gravidade reduzida de Marte… Mas estamos a conseguir viver no Espaço cada vez mais tempo, e a estudar maneiras de provocar o menor impacto possível nos nossos corpo:
Portanto talvez seja melhor voltar a ouvir Elon Musk, sobre a Mars City… Ou não?
Quer se queira quer não, Elon Musk tem alguma autoridade para falar sobre a Mars City.
É que a SpaceX está prestes a atingir um novo marco na corrida espacial: o de reutilizar o mesmo lançador ou foguetão várias vezes, num record até agora de 7 utilizações. Ora a utilização repetida de um lançador é absolutamente necessária para se tentar a colonização de um planeta, uma vez que o foguetão é o atual meio de transporte.
Este record será atingido com o lançamento do 16º lote de 60 satélites Starlink, e isso permite economizar cerca de 75% do preço de tabela para lançamentos do Falcon 9. Mas será possível fazê-lo com a Starship e reabastece-la em Marte?
“Mars Sample Return” é a primeira pedra na Mars City
Há cerca de duas semanas, a NASA divulgou um relatório independente em que considerava que a agência norte-americana estaria no “bom caminho” para conseguir devolver à Terra amostras recolhidas em Marte para estudo científico.
Esta “campanha marciana” não será fácil e exige três veículos espaciais avançados. O primeiro, o rover Mars 2020 Perseverance da NASA, está já a mais de metade do caminho para Marte após o seu lançamento em julho.
Já em Marte o Perseverance irá armazenar amostras de rochas e regolito marciano. Algumas destas amostras serão inclusivamente deixadas na superfície para futuros rovers as recolherem. Entre esses rovers estará o Mars Ascent Vehicle fornecido pela NASA, que lançará as amostras em órbita de Marte para que o Earth Return Orbiter fornecido pela ESA as recolha numa cápsula de contenção, para as devolver à Terra em 2030.
O Earth Return Orbiter tem praticamente o mesmo timing que o suposto desembarque de humanos em Marte, dado por Elon Musk na sua Starship. Mesmo assim, isso não põe em causa a Mars City (pelo menos num cronograma mais lato)…
Uma missão desta envergadura é complicada. Apenas para a Mars Sample Return (Retorno de Amostra marciana à Terra), o comité científico que analisou a proposta da NASA, apesar de a ter validado fez 44 recomendações de segurança à gestão desta missão. Imagine-se portanto se fosse uma missão tripulada…
As missões a Marte não serão só com robôs…
Desde fevereiro de 2018 que decorre no deserto de Omã estudos com astronautas análogos que estão a pavimentar o caminho para os futuros astronautas de Marte. Desta missão resultou a apresentação de tecnologia inovadora como é o caso do ScanMars, cujos resultados foram apresentados por Alessandro Frigeri do Istituto Nazionale di Astrofisica (INAF) no Congresso Europeu de Ciência Planetária (EPSC) 2018 em Berlim.
O ScanMars é um radar de penetração para ser utilizado no solo marciano, e que tem uma aparência semelhante a um detetor de metais. Para que se perceba a sua importância, este radar ScanMars investiga a subsuperfície análoga “marciana”, transmitindo e recebendo impulsos de ondas de rádio no solo, no sentido de encontrar água.
Após um treino demorado em como usar ScanMars, que decorreu nas instalações do Fórum Espacial Austríaco em Innsbruck, os astronautas análogos testaram o radar em quatro áreas em Dhofar (no deserto) com diferentes características geológicas. No total, os astronautas análogos captaram cerca de 70,0000 ecos de radar dizendo respeito a 1,4 quilómetros de área, e para uma profundidade de 5 metros.
De entre todos os dados coletados durante a expedição AMADEE-18, o instrumento reconheceu com sucesso o sinal típico de um leito de rio seco, ou “wadi”, tendo-se concluído que o ScanMars é uma tecnologia com grande qualidade nas leituras (e muito eficaz na deteção de água).
A verdade é que a cada dia se encontra algo de novo ou seja, uma nova tecnologia que torna cada vez mais possível a permanência de humanos em Marte.
Contudo são entrevistas como esta, típicas entrevistas de Elon Musk, que nos podem fazer crer que isto seja tudo um pouco “fantasia”. Mas a Mars City irá acontecer, pois a Ciência está a investigar todos os dias os vários caminhos para que isto aconteça. De facto em qualquer programa espacial (norte-americano, europeu, russo, chinês, etc), tanto na Lua como em Marte, a exploração que se está a fazer tem um único objetivo: a colonização por humanos.
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