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14 de agosto de 2019. Uma data que era suposto marcar o dia D para a startup WeWork, que na última década se tinha tornado a estrela do setor imobiliário americano. Avaliada em 47 mil milhões de dólares na sua mais recente ronda de investimento, com a submissão do S-1, o documento que inicia o processo de entrada de uma organização na bolsa americana, o futuro parecia risonho para a empresa e para o seu CEO e co-fundador, Adam Neumann.
No entanto, quando esse documento foi tornado público, os analistas financeiros de Wall Street, bem como os principais media do setor, rapidamente se aperceberam que o quadro que a empresa tinha pintado durante anos não era uma representação fidedigna do estado do seu negócio. Prejuízos gigantes, investimentos duvidosos e uma liderança suspeita por parte de Adam Neumann levaram a que a WeWork abortasse o “Plano Wall Street” e contribuíram para que, no final de 2019, a empresa já tivesse perdido quase 90% do seu valor.
Como é que tudo isto aconteceu?
Em 2010, quando foi fundada em Nova Iorque, a WeWork apresentou um modelo de negócio, no mínimo, ambicioso: dada a crise económica provocada pelo crash de 2008 e a diminuição do valor médio das rendas, a empresa arrendou uma série de edifícios na cidade e transformou-os em espaços de co-work onde uma série de startups e empresas podiam mais facilmente instalar as suas equipas e beneficiar de um ambiente descontraído para inovarem e fazerem parcerias com outros “vizinhos”.
A estratégia exigia, por um lado, um forte investimento que assegurasse todos os custos fixos associados à manutenção de uma rede de espaços, primeiro nos EUA, mas também para outros mercados onde a WeWork se podia expandir. Por outro, beneficiava de um boom no setor empresarial onde diariamente apareciam uma série de startups tecnológicas a revolucionar as mais diferentes áreas, o que suscitava o interesse de potenciais investidores em negócios que procurassem tirar proveito dessa tendência.
Ao leme da empresa estava Neumann, de origem israelita, cuja personalidade e postura também contribuíram para o protagonismo da empresa. Tinha cabelos longos negros, ia descalço para a maior parte dos eventos onde participava, não comia carne e era um adepto do consumo de marijuana e tequila. A somar a isto tinha um forte carisma e presença, que o ajudavam a vender as suas ideias aos investidores dos quais a WeWork dependia.
Foi com base nestas premissas que nos nove anos seguintes a empresa conseguiu um montante de financiamento superior a 20 mil milhões de dólares, que utilizou para se expandir para nos EUA e internacionalmente e para alargar as suas fontes de receita, passando a oferecer também serviços de alojamento, infraestrutura para serviços de educação e programas de incubação e aceleração de empresas.
Neste percurso, a WeWork e o seu CEO não deixaram de ser alvos de críticas e de polémicas.
Em Wall Street, diversos analistas começaram a questionar a capacidade de a empresa gerar lucros com uma estrutura de custos tão densa e começaram a suspeitar da necessidade da mesma de levantar sucessivas rondas de investimento.
Do lado reputacional, começaram a surgir alguns casos de discriminação na forma como mulheres eram tratadas, que revelaram o ambiente tóxico que era vivido na empresa.
Do lado institucional, um dos principais investidores da empresa passou a ser o grupo japonês Softbank, cujo fundo para unicórnios era apoiado pelo governo da Arábia Saudita, algo que originou alguns “zum-zuns políticos” nos EUA.
Do lado de Neumann, foram surgindo histórias que demonstravam o nepotismo que foi progressivamente instaurando na empresa, ao selecionar pessoas próximas de si para cargos de relevo e ao arrendar edifícios que tinha adquirido à própria empresa que liderava.
Regressando a 14 de agosto de 2019
O S-1 confirmou algo que muitos já antecipavam: a WeWork estava a perder e a “queimar” muito dinheiro, mais precisamente, 2 mil milhões de dólares por ano. Mas revelava muito mais. No documento, a empresa sobrestimava (e muito) o seu potencial de crescimento, apresentava uma série de ideias bizarras sobre como se ia tornar lucrativa e demonstrava que, antes da própria IPO, Neumann já tinha liquidado parte da sua participação na empresa (~700 milhões de dólares), o que nunca é um bom sinal para quem quer convencer os mercados a investir no seu negócio.
Nas semanas seguintes, tudo mudou para a empresa. Depois da entrada em bolsa ser colocada em stand by, o crescente escrutínio levou a que os acionistas da WeWork votassem no afastamento de Neumann como CEO, que recebeu 1,7 mil milhões de dólares para cortar relações com a empresa que tinha criado (continuando dono de 11% da mesma). O principal acionista da WeWork passou a ser o Softbank que, depois de investir 13 mil milhões de dólares, tinha de arranjar um novo líder para a empresa que estava agora avaliada em pouco mais de “oito”. A WeWork desinvestiu numa série de empresas que tinha adquirido, abortou a expansão para várias localizações, fechou outras e despediu cerca de 2.500 pessoas. Tudo coisas que eram difíceis de imaginar poucos meses antes. E a pandemia ainda nem tinha chegado.
Vamos saltar a parte da pandemia
Resumindo o impacto que a COVID-19 teve num negócio dependente da presença de pessoas em espaços físicos: foi muito mau. A WeWork foi obrigada a continuar o processo de desaceleração provocado pelo fiasco de 2019 (menos espaços, menos empregados, menos custos) e começar a preparar-se para a era do trabalho flexível, que até pode ser benéfica para a empresa. Com cada vez mais empresas a procurar dar aos seus colaboradores um regime de trabalho híbrido ou remoto, a WeWork criou um cartão geral de acesso a todos os seus espaços que já é subscrito por 32 mil utilizadores e que gerou 100 milhões de dólares em receitas no último ano.
De acordo com o seu novo CEO, Sandeep Mathrani, em 2022, a empresa já poderá ser lucrativa e parte disso ajuda a explicar o porquê de, na semana passada, a WeWork ter finalmente passado a ser cotada na Bolsa de Nova Iorque com uma avaliação de 8 mil milhões de dólares (já valia em "10,5" esta segunda-feira). Está longe de ser um final feliz e a empresa ainda tem uma série de obstáculos a ultrapassar, mas é mais uma etapa na história desta organização, que tem sido uma autêntica montanha russa.
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